terça-feira, 18 de novembro de 2014

Consulta Pública 55 e 56 da ANS sobre as Cesáreas indesejadas e desnecessárias

Participe da Consulta Pública 55 e 56 da ANS sobre as Cesáreas indesejadas e desnecessárias.

Até o dia 23 de novembro, a ANS está aberta para receber sugestões da sociedade sobre a divulgação de taxas de cesáreas de médicos e hospitais, sobre o uso de Partograma e sobre o uso do Cartão da Gestante.

Basta entrar no site da ANS e participar da consulta!



A Parto do Princípio elaborou um tutorial para facilitar esse processo e um texto explicativo sobre o que isso tudo significa.

Participe!

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Analgesia farmacológica no trabalho de parto: quando e como

(Texto de Carla Andreucci Polido, em 20 de março de 2014 - publicado no Facebbok dela.)
  
A analgesia farmacológica durante o trabalho de parto e parto é recurso fundamental para a assistência obstétrica de qualidade. Como a maioria das intervenções em obstetrícia, no entanto, ela é com frequência mal utilizada. Mulheres que não necessitariam do procedimento, nem o solicitaram, são submetidas ao bloqueio regional, enquanto mulheres para as quais a analgesia faria diferença na via de parto vaginal ou operatória, não tem acesso a ela.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde do Brasil (MS), bem como as melhores evidências científicas disponíveis, recomendam que se esgotem métodos não farmacológicos para controle de dor durante o trabalho de parto, antes de oferecer analgesia medicamentosa às parturientes. Desta forma, admissão em fase ativa do trabalho de parto (acima de 6 cm de dilatação), livre deambulação em fase ativa, alimentação à vontade, presença de acompanhante à escolha da mulher, apoio contínuo intraparto, massagens, banhos de chuveiro, imersão em água, acupuntura, respeito à privacidade, limitação de toques vaginais, oferta de cadeiras de parto verticalizadas, são possibilidades a serem exauridas durante toda a assistência.

Ainda assim, algumas mulheres precisarão de medicamentos para controle da dor.

Quais as melhores escolhas, tanto em técnica quanto em medicações?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que não há grau de dilatação ou fase do trabalho de parto que determine o uso de medicamentos durante o TP. A necessidade do controle da dor é individual, e deve ser tratada de forma específica, caso a caso. Dependendo da fase do TP ou da dilatação cervical, a técnica de analgesia pode variar. Mas a solicitação da analgesia é de propriedade da parturiente, e não de seu cuidador.

Em segundo lugar, o uso da analgesia farmacológica está associado a um aumento da necessidade de parto instrumental (fórcipe ou vácuo), e também da duração do trabalho de parto (em média 1 hora e meia a mais). Ou seja, como qualquer intervenção, implica em alterações da fisiologia do processo, e portanto deve realmente ser utilizada quando necessária.

Infelizmente, no Brasil, grande parte das maternidades tanto da rede pública como de convênios não oferecem analgesia nem sem medicamentos, quanto mais farmacológica durante o parto.

Outra reflexão importante é que há várias técnicas e diversos tipos de drogas que podem ser utilizadas para controle da dor, e a utilização de cada técnica ou medicamento deve ser individualizada para cada parturiente. Essa é a tarefa de um anestesiologista.

A dor sem controle tem impacto no bem estar materno, e também no fetal. Há aumento do consumo de oxigênio, hiperventilação com alcalose respiratória, aumento da pressão sanguínea e declínio da perfusão placentária, perda da coordenação da contratilidade uterina, e pode desencadear transtorno de stress pós-traumático no puerpério.
Abordagens farmacológicas para controlar a dor do parto podem ser sistêmicas ou loco-regionais. A administração sistêmica inclui as vias endovenosa, intramuscular e inalatória. Técnicas regionais (neuroaxiais) consistem de peridurais, raquidianas e combinadas, e são as modalidades mais populares para analgesia de parto.

Analgésicos sistêmicos são úteis para parturientes que prefiram técnicas menos invasivas, ou em quem técnicas regionais são contra-indicadas, ou não são uma opção devido à falta de disponibilidade de profissionais qualificados. Os mais populares são os opióides (morfina, fentanil, meperidina). Os opióides exercem os seus efeitos no cérebro materno, embora uma porção da dose também atravesse a placenta e atinja o feto. Isto se manifesta no útero pela alteração da freqüência cardíaca fetal (bradicardia) e depressão respiratória no recém-nascido.

Em parturientes, os opióides sistêmicos como meperidina (Dolantina) produzem alívio por induzir sonolência, ao invés de produzir analgesia em si. Em um estudo de morfina e meperidina, a administração intravenosa repetida resultou no aumento de escalas de sedação em parturientes, com pouca mudança nos escores de dor.

Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados dobre uso de opióides parenterais para o alívio da dor do parto concluiu:
● A satisfação com o alívio da dor fornecido por opióides durante o trabalho foi baixa, e apenas um pouco melhor do que o placebo (29% contra 17%, p = 0,04). Não houve evidências de que qualquer opióide foi significativamente mais eficaz do que a meperidina, que está amplamente disponível e é barata.
● A analgesia peridural proporcionou melhor alívio da dor do que os opióides parenterais. No entanto, os opióides foram associados a uma redução do tempo de trabalho e menor necessidade de ocitocina.
● Náuseas, vômitos e sedação foram efeitos colaterais maternos comuns. A depressão respiratória é a principal preocupação neonatal; investigação adicional é necessária em relação a possíveis efeitos em longo prazo.

O uso da meperidina tem caído em desgraça nos Estados Unidos e há um movimento para substitui-lo por analgésicos opiáceos mais eficazes e menos tóxicos, por causa de seus efeitos colaterais. A meperidina atinge uma concentração máxima no feto entre duas e três horas após a administração. Como resultado, o recém-nascido deve nascer dentro de uma hora ou mais de quatro horas depois de sua administração, o que é impossível controlar. Além disso, a droga metabolizada ainda tem atividade farmacológica e meia - vida prolongada em recém-nascidos (2,5 dias), portanto, pode afetar o comportamento neonatal e gerar dificuldades para amamentação. Há novos analgésicos opióides em teste, mas são necessários mais estudos para aperfeiçoar a metodologia para a sua administração segura.

A analgesia inalatória para a dor do parto tem sido comumente usada há décadas na Grã-Bretanha, Escandinávia, Austrália, Canadá e outros países, mas raramente nos Estados Unidos, e consiste numa mistura de 50% de óxido nítrico e 50% de gás oxigênio. A parturiente auto-administra o gás anestésico, conforme necessário, usando uma máscara de mão. Cronometrar corretamente cada inalação é importante, porque analgesia leva até 50 segundos para fazer efeito, assim o pico da analgesia ocorrerá fora de fase com as contrações uterinas. Devido ao intervalo de tempo para o óxido nitroso entrar em ação, a inalação deve começar cerca de 30 segundos antes de a contração começar. Isso torna a utilização de óxido nitroso particularmente difícil durante a segunda fase do TP, porque pode atrapalhar os puxos espontâneos.

O óxido nitroso é eliminado rapidamente através dos pulmões, e portanto não se acumula na mãe ou do feto / neonato. Uma vantagem adicional é que ele não afeta a atividade contrátil. Contudo, sistemas de oximetria de pulso e de exaustão de gás são essenciais durante a sua utilização. A eficácia analgésica de óxido nitroso para o trabalho de parto não é clara. As revisões sistemáticas mostram que a substância alivia a dor do parto de forma significativa na maioria das parturientes, mas não fornece analgesia completa para muitas. Para mulheres que optam por evitar analgesia neuroaxial ou para aquelas que não têm acesso a ela, o óxido nitroso pode fornecer um meio alternativo para alcançar algum alívio da dor.

Técnicas neuroaxiais proporcionam alívio da dor sem igual para o trabalho de parto. Nos Estados Unidos, raquidiana e epidural são usadas por mais de 70% das mulheres que parem em hospitais com mais de 1.500 partos por ano. O que com certeza é um exagero, uma vez que só a presença da doula diminui em 50% a necessidade da analgesia farmacológica.

Anestésicos locais, como bupivacaína ou ropivacaína, administrados por via peridural utilizando bombas de infusão contínua, fornecem analgesia de parto segura e eficaz. Em concentrações mais baixas de anestésicos locais, para maior eficácia sem prejuízo da habilidade para movimentação ou percepção de puxos, podem ser combinadas com outros analgésicos, mais comumente opióides.

Opióides neuroaxiais isolados, se administrados pela via intratecal ou epidural , também fornecem excelente analgesia precoce para a primeira fase do trabalho de parto. Uma abordagem popular é administrar uma combinação de anestésico local e opióide por infusão epidural contínua ao longo do trabalho de parto. A maioria dos anestesistas usam opiáceos sintéticos relativamente lipossolúveis (fentanil ou sufentanil) para reduzir a alta incidência de efeitos colaterais observados com morfina epidural.

Bombas de infusão são usadas para facilitar a administração contínua da droga epidural. Um regime típico inclui uma dose de carga de 10 a 20 mL, seguida por uma infusão horária de 5 a 10 mL. Se é usada a analgesia epidural controlada pelo paciente (PCEA), a parturiente pode auto-administrar doses em intervalos definidos.

Técnicas espinhais (raquidianas) ou combinadas (raqui-peridural) também podem ser usadas para aliviar a dor do parto. Analgesia intratecal com opióides por si só (sufentanil ou fentanil) durante o trabalho de parto precoce permite deambulação, porque opióides espinhais não têm efeito sobre a força muscular. A abordagem intratecal também é útil para as contrações dolorosas do final do primeiro estágio ("transição") , porque o início da analgesia é mais rápido do que com a abordagem epidural. Analgesia para a dor relativamente grave da transição pode ser conseguida de forma mais confiável através da combinação de uma pequena dose de anestésico local com um opióide.

Em comparação com as técnicas epidurais, as técnicas espinais têm um início mais rápido: a mulher fica tipicamente confortável dentro de cinco minutos. No entanto, o alívio da dor é de duração relativamente curta, cerca de 90 minutos. Isto porque os cateteres para a administração de doses adicionais de analgésicos geralmente não são inseridos no espaço intratecal. Portanto, se o parto não é iminente, uma técnica combinada é preferível.

Em comparação com técnicas epidurais de baixa dose, a administração espinal de opióides está associada a maior incidência de bradicardia fetal e prurido. A bradicardia fetal está associada à hipertonia uterina, e postula-se que seja devida a desequilíbrio das catecolaminas. Há diminuição aguda dos níveis de adrenalina com a perda de efeito tocolítico de epinefrina, e aumento relativo do efeito uterotônico de norepinefrina. Esse efeito não é tão provável de ocorrer com a analgesia peridural, que tem um início mais lento de ação do que a analgesia espinhal.

A administração espinal de anestésicos locais também pode induzir hipotensão materna devido a simpatectomia, mas doses menores de anestésicos locais devem reduzir essa probabilidade. No entanto, a hipotensão materna também pode ocorrer após a administração intratecal isolada de opióides, presumivelmente devido ao rápido início de alívio da dor, e uma diminuição aguda em níveis circulantes de catecolaminas.

Se uma técnica epidural contínua ou de analgesia controlada pelo paciente peridural (PCEA) é utilizada para a primeira fase do trabalho de parto, o volume da solução de infusão é muitas vezes suficiente para produzir a analgesia sacral necessária para a segunda fase.

O ideal é que a parturiente mantenha a força motora e sensação de pressão durante o expulsivo, e a infusão peridural continue a agir durante o parto. No entanto, se o bloqueio motor é muito intenso ou se os puxos não são percebidos, a infusão pode necessitar ser interrompida temporariamente ou diminuída.

Alguns obstetras preferem interromper a analgesia peridural no final do trabalho de parto, na esperança de diminuir a probabilidade de parto instrumental. Uma revisão sistemática sobre este assunto comprova a eficácia desta prática, mas mostrou que a interrupção analgesia epidural aumenta a taxa de alívio inadequado da dor.
Há situações em que a analgesia neuroaxial não é iniciada até o expulsivo. A parturiente pode não ter desejado a analgesia farmacológica mais cedo, ou o traçado da frequência cardíaca fetal ou sua posição podem exigir parto instrumental (fórceps ou vácuo). O início da analgesia epidural é possível neste momento, mas a latência prolongada pode fazer esta escolha menos desejável do que uma técnica espinhal.

Bloqueio de nervo pudendo bilateral é útil para aliviar a dor decorrente de distensão vaginal e perineal durante o segundo estágio do trabalho e parto. Eles podem ser utilizados como um suplemento para a analgesia epidural se os nervos sacrais não são suficientemente anestesiados.

Complicações obstétricas ocorridas durante a segunda fase do trabalho de parto (distócia de ombro ou cabeça derradeira na apresentação pélvica) podem requerer intervenção anestésica urgente. Pode ser necessária uma anestesia geral.

Conhecendo, portanto, técnicas e opções de drogas, a analgesia farmacológica pode representar uma alternativa mais segura a uma parturiente que não ficou confortável apenas com métodos não farmacológicos. A cesariana implica em maior morbimortalidade materna e neonatal, portanto um parto vaginal é sempre preferível a uma grande cirurgia.

Infelizmente, a grande maioria das brasileiras não tem acesso ao modelo ideal de assistência obstétrica, que deveria incluir oferta de apoio contínuo e os demais recursos, mas também a melhor analgesia medicamentosa para ela, individualmente, quando necessária.


Referências:


quarta-feira, 12 de novembro de 2014

O parto mais científico costuma ser o menos tecnológico (parte 2)


(c) 2012 Alice Dreger, conforme publicado originalmente em TheAtlantic.com

Então por que será que, passada mais de uma década, em que as evidências continuam favorecendo um tipo de assistência baixo em intervenções durante gestações e partos de baixo risco, nós praticamente não avançamos na busca por partos mais científicos nos Estados Unidos?

Fiz essa pergunta a alguns acadêmicos que se debruçam sobre essa questão. Uma delas, Libby Bogdan-Lovis, do Centro de Ética e Humanas nas Ciências da Vida da Universidade Michigan State, por acaso também foi minha doula. (Dei sorte.) Libby comentou que uma grande parte do problema é a forma como o parto é concebido nos Estados Unidos – como “perigoso, arriscado, e que precisa ser controlado para garantir um bom desfecho”.

Libby acrescenta que limitações institucionais contribuem para o problema: “As seguradoras geralmente cobrem parto hospitalar, não domiciliar, elas estão mais inclinadas a remunerar médicos do que parteiras, bonificam médicos e enfermeiras obstétricas hospitalares quando fazem algo (e não quando deixam de fazer algo), e a abordagem do sistema de saúde com relação ao gerenciamento de risco apoia aqueles que demostraram fazer todo o possível em se tratando de intervenções”. Tudo isso apesar do fato que “tentativas de controlar o parto estão sujeitas a riscos iatrogênicos reais e comumente resultam em uma cascata de intervenções”, comenta Libby.

Raymond De Vries, um sociólogo do Centro de Bioética e Ciências Sociais em Medicina da Universidade de Michigan, comparou o parto nos EUA com o parto na Holanda, onde atua atualmente como professor visitante na Universidade de Maastricht. Ele percebe que, nos EUA, “os obstetras são os especialistas e os especialistas passaram a enxergar o parto como perigoso e assustador”. De Vries sugere que a organização dos cuidados maternos em seu país – “as escolhas limitadas que as mulheres americanas têm para dar à luz a seus bebês, o que não lhes é dito sobre o perigo de intervir no parto, e o mau uso da ciência para defender as novas tecnologias no parto” – na verdade constitui um problema ético, embora não o reconheçamos como tal. Especialistas em ética médica “preferem estudar os problemas [relativamente raros] da fertilização in vitro e do diagnóstico genético pré-implantação a olhar para as questões cotidianas referentes à organização do parto aqui nos EUA; eles preferem falar sobre a preservação das ‘escolhas’ das mulheres ao invés de explorar como essas escolhas são dobradas pela cultura”.

Quanta verdade. Especialistas em ética adoram falar sobre as escolhas das mulheres com relação ao parto como se as escolhas fossem informadas e autônomas, mas não sou capaz de contar quantas mulheres me disseram que “escolheram” analgesia durante o parto mesmo quando nunca foram informadas sobre os riscos da analgesia, nunca ouviram ninguém expressar confiança em sua habilidade de parir sem medicamentos, e  nunca foram oferecidas uma doula para orientá-las e apoiá-las no momento da dor. Que tipo de “escolha” é essa? Como me disse a Libby Bogdan-Lovis: “A típica gestante de hoje acha que a noção de um parto sem medicamentos [analgesia] equivale a sugerir que as mulheres deveriam ficar felizes em aceitar a tortura”.

De todas as escolhas que eu fiz, acho que a que mais chocou os meus contemporâneos foi a decisão de não fazer uma ultra. Acontece que apenas alguns anos antes de eu engravidar,  um importante estudo norte-americano – envolvendo mais de 15 mil gestações – publicado no New England Journal of Medicine demonstrou que ultrassonografias de rotina não contribuíam para melhorar a saúde dos bebês. O trabalho foi conduzido por Bernard Ewigman, atual chefe do departamento de medicina de família do Sistema de Saúde Universitária de NorthShore e da Universidade de Chicago.

Recentemente liguei para o dr. Ewigman e lhe perguntei por que tantas gestações de baixo risco hoje incluem ultrassonografias de rotina. Ele acredita que, em parte, é emocional – as pessoas gostam de “ver” seus bebês – e em parte tem a ver com a crença infundada de que saber algo necessariamente resulta em desfechos melhores comparado a não saber. Mas ele concordou que ultrassonografias de rotina no pré-natal, para gestações de baixo risco (ou seja, em gestações em que não surgiram problemas), não aparentam ser fundamentadas pela ciência, se o desfecho desejado é reduzir doenças e morte em mães e crianças. Ultrassonografias de rotina não parecem ser perigosas, mas também não propiciam a saúde.

O dr. Ewigman me disse o seguinte: “A abordagem que você escolheu dar à sua gravidez foi racional e bem informada. Mas grande parte das decisões de cunho médico envolvendo a gestante ou o bebê não é bem informada nem baseada em pensamentos racionais”. E ainda acrescentou: “Todos estamos muito interessados em ter bebês saudáveis e é bastante fácil cometer o tipo de erro cognitivo que as pessoas cometem, e atribuir à tecnologia benefícios que não existem. Ao mesmo tempo, quando surgem problemas durante a gravidez, aquela mesma tecnologia pode salvar vidas. É fácil fazer o [problemático] salto [mental] de que a tecnologia sempre será necessária para um bom desfecho”.

Nós conversamos também sobre como algumas pessoas auferem uma falsa sensação de certeza com as ultras, achando que o bebê nascerá em perfeita saúde caso o médico não veja nada fora do comum ali. Expliquei que essa foi uma das razões pela qual abri mão das ultrassonografias; com base nas minhas próprias pesquisas sobre anomalias congênitas, eu sabia o quanto as ultras enganam. O dr. Ewigman observou que nossa cultura tem “um verdadeiro fascínio pela tecnologia, e também temos um forte desejo de negar a morte. E os aspectos tecnológicos da medicina se vendem muito bem nesse tipo de cultura”. Ao passo que uma abordagem aos cuidados médicos com poucas intervenções – não importa quão científica ela seja – não.

Em se tratando de escolhas no parto, eu não me oponho a levar em consideração os tipos de desfechos difíceis de mensurar que podem ser de grande valor para algumas gestantes. Eu entendo que há mulheres que não querem um chá de bebê como o meu, em que os presentes em sua maioria eram roupinhas amarelas e verdes, em vez de azuis e cor-de-rosa. Entendo que tem gente que quer aquelas imagens difusas do bebê dentro de seu útero. Eu entendo que algumas podem optar por um aborto caso a ultra revele uma grande anomalia.

E eu entendo que algumas mulheres querem uma experiência particular de parto – quero dizer, eu realmente entendo isso, agora que tive um parto que me fez sentir mais poderosa, mais humilde, mais focada e mais apaixonada pelo meu amado do que eu jamais imaginara.

Mas eu gostaria que as mulheres americanas ouvissem a verdade sobre o parto – a verdade sobre os seus corpos, suas habilidades, e os perigos por trás da tecnologia. Acima de tudo, gostaria que todas as grávidas escutassem o que Libby Bogdan-Lovis, minha doula, disse para mim: “Parir um bebê requer a mesma entrega de controle que o sexo – abandonar-se para a sensação avassaladora e fazê-lo num ambiente em que há proteção e apoio”. Quem dera que mais mulheres soubessem o quão sensual um parto científico pode ser.

(Fotografia de Valéria Ribeiro)


(c)2012 Alice Dreger, as first published on TheAtlantic.com

O parto mais científico costuma ser o menos tecnológico (parte 1)


Por que tantas mulheres letradas e inteligentes estão escolhendo dar à luz de forma mais natural, defendendo o tal “parto humanizado”? É sensato (ou científico) abrir mão do hospital chique com hotelaria cinco estrelas e o médico “de confiança” para ser assistida por uma parteira (enfermeira obstétrica ou obstetriz), em casa ou num centro de parto normal, considerando todo o conforto que a tecnologia nos oferece? Afinal, se a medicina e a ciência evoluíram tanto, salvando hoje muito mais vidas do que no passado, por que não usufruir da tecnologia também no parto e nascimento?

Essas são perguntas que permeiam o imaginário das pessoas que deparam com as escolhas não convencionais de amigas ou parentes e também de quem está adentrando o universo do parto humanizado (por gravidez, planos de iniciar uma família ou por mera afinidade com o tema).

É para vocês que resolvi traduzir o maravilhoso artigo da  Alice Dreger, professora do Programa de Bioética e Humanas Médicas [em inglês, Medical Humanities, uma área interdisciplinar que envolve ciências humanas e artes, e como aplicar esses saberes na prática da medicina] da Faculdade de Medicina da Universidade Northwestern, publicado originalmente no The Atlantic, em março de 2012. Através de sua história pessoal e de sua bagagem teórica, ela consegue resumir com franqueza e lucidez as razões por trás de suas escolhas “não ortodoxas” (especialmente considerando o seu cargo de professora de um departamento de medicina!). Recomendo também uma visita a seu site (http://alicedreger.com/home.html), onde ela discute vários outros assuntos relacionados a bioética, gênero e evidências científicas aplicadas à pratica da medicina. Sem mais, o artigo:

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O parto mais científico costuma ser o parto menos tecnológico
(c) 2012 Alice Dreger, conforme publicado originalmente em TheAtlantic.com.

Quando peço para meus alunos de medicina descreverem como eles imaginam uma mulher que escolhe uma parteira ao invés de uma obstetra para acompanhar seu parto, em geral eles descrevem uma mulher que usa saias compridas de algodão, tem tranças no cabelo, come alimentos orgânicos veganos, pratica yoga e dirige uma kombi. O que não imaginam é a cientista onívora, de calça comprida, bem diante de seus olhos.

Aliás, eles ficam completamente perdidos quando explico que na verdade só existe uma razão pela qual eu e meu companheiro – médico (clínico) e professor universitário – optamos por deixar de lado nosso obstetra e passar a nos consultar com uma parteira: podíamos confiar na capacidade da parteira de ser científica, mas não na do nosso obstetra.

Muitos alunos de medicina, como a maioria dos pacientes americanos, confundem ciência e tecnologia. Acham que ser um médico científico significa fazer uso do máximo de tecnologia em cada paciente. E isso os torna perigosos. De fato, se você for olhar estudos científicos sobre parto, você verá estudo após estudo mostrando que muitas intervenções tecnológicas aumentam os riscos para mães e bebês em vez de diminuí-los.

E no entanto a maioria das parturientes parece desconhecer esse fato, mesmo que os seus obstetras estejam cientes. Paradoxalmente, essas mulheres parecem querer o mesmo que eu queria: um desfecho seguro para mãe e filho. Mas parece que ninguém diz a elas qual o melhor caminho para chegar até isso, segundo o que indicam os dados científicos. A amiga que ousa oferecer meia taça de vinho é tida quase como uma criminosa, uma ameaça ao bem estar do outro, enquanto o obstetra que oferece procedimentos desnecessários e arriscados é considerado um herói.

Quando engravidei em 2000, eu e o meu parceiro consultamos a literatura médica científica para descobrir como maximizar a segurança para mim e para nosso filho. Eis o que descobrimos com os estudos disponíveis: eu deveria caminhar bastante durante a gravidez, e também durante o trabalho de parto; caminhar diminuiria a duração e a dor do parto. Durante a gestação, eu deveria fazer check-ups frequentes para checar meu peso, minha urina, minha pressão arterial e o crescimento da minha barriga, mas deveria evitar exames de toque. Não deveria me preocupar em fazer um ultrassom se a minha gravidez continuasse de baixo risco, pois o exame teria pouquíssimas chances de melhorar a minha saúde ou a saúde do bebê, e poderia muito bem acarretar em outros exames e testes que aumentariam os riscos para nós, sem nos trazer benefícios.

De acordo com os melhores estudos disponíveis, em se tratando do momento do parto no fim da minha gravidez de baixo risco, eu não deveria fazer uma indução, nem uma episiotomia, nem receber monitoração contínua dos batimentos cardíacos fetais durante o trabalho de parto, e certamente não deveria fazer uma cesárea. Eu deveria parir numa posição de cócoras e eu deveria ter uma doula – uma profissional que dá apoio durante o parto. (Estudos mostram que as doulas são surpreendentemente eficazes em diminuir riscos; fazem isso tão bem que um obstetra chegou a dizer que se a doula fosse um medicamento, seria ilegal não prescrevê-la para todas as gestantes).

Em outras palavras, se os exames regulares e “low-tech” continuassem a indicar que minha gravidez transcorreria de forma desinteressante do ponto de vista médico, e se eu quisesse cientificamente maximizar a segurança, eu deveria parir basicamente como fizeram as minhas bisavós: com a atenção de duas mulheres experientes, que passariam a maior parte do tempo esperando, enquanto eu fizesse o trabalho. (Há uma razão para chamarem isso de trabalho de parto.) A única diferença realmente notável seria que a minha parteira usaria um monitor cardíaco fetal (ou doppler) de forma intermitente – de vez em quando – para garantir que o bebê estivesse bem.

(Fotografia de Valéria Ribeiro)

Meu obstetra e sua equipe deixaram claro que eles ficariam um tanto desconfortáveis com esse tipo de parto “das antigas”. Então nós fomos embora e passamos a tratar com uma parteira que se comprometia a ser muito mais moderna. E o parto que eu tive foi basicamente como descrevi. Sim, foi doloroso, mas minha doula e a parteira haviam me preparado mentalmente para isso, me assegurando que esse tipo particular de dor não precisava resultar em medo ou prejuízo.

Acabou que tivemos uma única intervenção tecnológica: como havia mecônio no líquido (o que significa que meu bebê defecou no útero), a parteira me explicou que logo após o nascimento, os pediatras o pegariam imediatamente para aspirar suas vias aéreas (sua traqueia). O intuito era para prevenir a pneumonia. Foi feito isso. Três meses mais tarde, no café da manhã, meu marido me apresentou os resultados de um estudo controlado randomizado que acabara de sair: mostrava que bebês nessa situação que só tiveram suas bocas aspiradas (e não suas traqueias) apresentaram índices mais baixo de pneumonia comparado a bebês que receberam esse procedimento de aspiração nas traqueias.  Mais uma intervenção que no fim das contas não vale a pena.

Então por que será que, passada mais de uma década, em que as evidências continuam favorecendo um tipo de assistência baixo em intervenções durante gestações e partos de baixo risco, nós praticamente não avançamos na busca por partos mais científicos nos Estados Unidos?


(c)2012 Alice Dreger, as first published on TheAtlantic.com.