De: Dra. Melania Amorim, em seu Facebook, em 18/4/2012.
Texto que escrevi há algum tempo sobre um famoso mito obstétrico: CIRCULAR DE CORDÃO.
Cerca de 40% dos fetos apresentam circular de cordão, ou seja, se fôssemos operar os casos com circular de cordão diagnosticados por ultrassonografia (USG) já estaríamos, de antemão, condenando 40% das mulheres a uma cesariana, com todos os riscos já conhecidos de uma cirurgia desse porte.
Como o bebê VIRA e DESVIRA o tempo todo (sinal de que está saudável) dentro da barriga, o diagnóstico por USG não é preciso, mesmo quando se usa o Doppler: bebês com circular diagnosticada pela USG podem nascer sem circular e o contrário é verdadeiro, a USG pode não mostrar nenhuma circular e o bebê nascer com uma ou mais circulares.
Entretanto, circulares CERVICAIS (no pescoço) apertadas, associadas a cordão curto e outras alterações, podem ser comprimidas durante o trabalho de parto e, muito excepcionalmente, fora dele. Tudo pode acontecer em uma gravidez, até um avião cair em cima do binômio mãebebê (assim mesmo, sem hífen), o que já foi descrito na literatura. Catástrofes e fatalidades acontecem.
Quais os cuidados? Ausculta, ausculta, ausculta, o que é o procedimento de rotina em todo trabalho de parto, AUSCULTA FETAL intermitente com o sonar Doppler ou mesmo com o estetoscópio, não é necessária cardiotocografia de rotina, e deve ser realizada com ou sem diagnóstico de circular. Lembrem: bebês SEM diagnóstico de circular podem nascer com circular, a circular se forma quando eles mexem de um lado para outro dentro da barriga. A ausculta fetal é, portanto, um procedimento padrão na assistência ao parto, recomendado pela OMS.
Não existe essa entidade nosológica "enforcamento fetal"... Na vida intrauterina, as trocas respiratórias se fazem pela circulação umbilical, e não pelas vias aéreas fetais. Mecanicamente, o cordão também não conseguiria fraturar o pescoço do bebê, ele é gelatinoso.
O que pode acontecer, muito raramente, é um cordão curto e enrolado no pescoço ser apertado durante as contrações ou a movimentação fetal, e haver interrupção da circulação naquele momento. Se essa interrupção for prolongada, pode haver asfixia porque não vai mais chegar sangue para o bebê. No entanto, esse não é um evento abrupto e pode ser sinalizado precocemente pela alteração dos batimentos cardíacos fetais, uma vez que se presume que estejam sendo monitorados intraparto.
Além de raríssimo, esse evento não justifica ultrassonografia de rotina na gestação a termo e muito menos a pesquisa de circular por USG durante o trabalho de parto.
PORTANTO:
- Circulares são extremamente freqüentes, 25 a 40% dos bebês NASCEM com circulares.
- Circulares se fazem e desfazem o tempo todo, com a movimentação fetal. Exame ultrassonográfico pode mostrar circular e o bebê nascer sem, ou vice-versa.
- Não há o que fazer se for diagnosticada uma circular, a menos que se fosse interromper de imediato a gestação, o que não se justificaria, em face da maior morbidade materna e neonatal com a cesárea. Por conta de um evento raríssimo não se vai arriscar tirar um bebê prematuro ou mesmo de termo e expô-lo aos riscos de uma cesariana eletiva, que não são raros (inclusive aumento da mortalidade neonatal).
- Ultrassonografia de rotina em gestações de baixo-risco não é apoiada por evidências científicas consistentes.
- Durante o trabalho de parto a ausculta fetal pode detectar facilmente alterações da ausculta que eventualmente podem ocorrer em casos de circulares apertadas e, se forem importantes, indicam resolução da gravidez por via alta (cesariana). Durante a gravidez, não é necessário nem factível fazer monitorização fetal sem indicação. Ou alguém aí quer passar a gravidez toda acoplada a um aparelho de cardiotocografia para fazer monitorização contínua?