sábado, 3 de dezembro de 2011

"Continuando o debate com a minha gentil e educada colega sobre riscos de partos domiciliares:

O fato de você querer um parto hospitalar com todos os recursos é um direito seu; uma forma de exercer a sua cidadania e a autonomia sobre seu corpo, sua gestação e (em última análise) sobre seu destino. Para alguém como eu, que defende a liberdade como meta última, seria incongruente me posicionar contra tal decisão. Entretanto, peço que analise bem: trata-se uma posição pessoal, e inquestionável, pois é a SUA escolha. Por outro lado, não será uma forma racional de diminuir riscos, pois ao afastar os medos de permanecer em casa, o hospital vai incluir OUTROS riscos...

Quando você vai para um hospital poderá diminuir a chance de uma intercorrência raríssima, mas que seria mais bem atendida em um hospital. Por exemplo: prolapso de cordão, descolamento placentário e hemorragias pós parto. Entretanto, esses são exemplos de ocorrências mais comumente encontradas pelas intervenções HOSPITALARES, pois parteiros urbanos domiciliares não rompem bolsas e nem usam ocitocina (que aumentam os riscos de prolapsos ou sofrimentos fetais, descolamentos e hemorragias por atonia uterina). Assim, um parto em casa é LIMPO de interferências perigosas!!!

Desta forma, quando você escolhe um hospital, fecha as portas para os riscos de ocorrências raríssimas como as que eu citei (lembrando sempre que parto em casa planejado é para pacientes de BAIXO RISCO), mas abre MUITAS outras portas para eventos que, se estivéssemos nos mantido em casa, dificilmente ocorreriam. Uma mulher que coloca o pé para fora de sua casa em direção a um hospital para parir seu filho tem 52% de chances de que essa história vá terminar em uma grande cirurgia abdominal. E as cirurgias abdominais aumentam em MUITO a morbi-mortalidade do parto, como todos sabemos. Por essa razão, mesmo em locais como a Inglaterra, onde o índice de cesarianas é muito menor que o nosso, os riscos de ter um parto planejado em domicílio são iguais aos de ter seu bebê em um hospital.

Para finalizar, quero comentar a frase que disse no documentário "O Renascimento do Parto": "Diante das evidencias científicas atuais, que demonstram riscos equivalentes para partos em domicílio, Casas de Parto e hospitais, podemos pela primeira vez na história oferecer às mulheres o melhor de dois mundos: um parto empoderador e psicologicamente positivo, e igualmente cercado de segurança. Para algumas mulheres o calor e o afeto de suas casas será o melhor lugar. Para outras, uma Casa de Parto com sofisticação tecnológica, mas que simula o aconchego de um lar, será a escolha natural. Para muitas ainda, o hospital representará o melhor lugar, por lhe garantir acesso aos recursos mais sofisticados. TODAS estas mulheres tem o direito de parir onde se sentem melhor, e nós - governos, profissionais, mídia, políticos e legisladores - temos o dever de garantir o direito de escolha a todas elas.
Um beijo, Ric."

(Ricardo Herbert Jones, Médico Obstetra - http://www.facebook.com/ricardoherbertjones)
Resposta a uma crítica ao Parto Domiciliar planejado feita por uma colega educada e interessada em construir um modelo melhor para as mulheres e seus bebês:

"Caríssima colega, eu entendo perfeitamente sua preocupação e durante muitos anos em minha vida profissional eu compactuei com essa visão. A experiência pessoal como obstetra e o conhecimento de alternativas fora do nosso país me fizeram mudar a minha ideia sobre o evento. Os partos que você acompanha em hospital são artificialmente conduzidos e normalmente são plenos de drogas e intervenções, sejam de ordem química (hormônios), emocional, psicológica e postural.
Assim sendo, os problemas que você normalmente encontra em um hospital são na sua maioria iatrogênicos, produzidos por um ambiente hostil, frio e mecanizado para o nascimento de uma criança. É natural que sua visão sobre nascimentos seja distorcida, pois provavelmente nunca teve a oportunidade de acompanhar um parto totalmente livre de coerções externas.
E isso não é culpa sua, mas de um modelo de assistência iatrocêntrico (centrado no médico), etiocêntrico (centrado na doença) e hospitalocêntrico (que entende o hospital como o único lugar para o tratamento). Nós médicos somos, tanto quanto os pacientes, reféns de um modelo superado, que recebe críticas em todos os lugares do mundo moderno.
Para finalizar, caríssima colega, mais do que a sua opinião sobre essa questão, ou a minha, ambas de caráter pessoal e subjetivo, temos inúmeras publicações atuais que apontam para a segurança do parto planejado em domicílio. A última foi publicada na Inglaterra, com mais de 60 mil pacientes avaliadas, demonstrando a segurança do parto em domicilio e em Casas de Parto quando comparados com partos de baixo risco atendidos em hospital.
Este estudo recente, somando-se a tantos outros (Davis, Klein, De Jonge, etc..) prova que a opção de ter filhos em casa é SEGURA e legítima, pois que trata do exercício da cidadania e da autonomia. Proibir partos domiciliares SEM JAMAIS APRESENTAR UMA PROVA DO RISCO AUMENTADO (mas apenas insinuações ou opiniões pessoais) é tão grave quanto proibir pessoas de se amarem ou se alimentarem em suas casas, permitindo-as fazer isso apenas em hospitais e sob supervisão médica.
Um grande beijo, Ric"

(Ricardo Hebert Jones, Médico Obstetra - http://www.facebook.com/ricardoherbertjones)

Eu adoro o Ric e seus textos...
Faz anos e anos que sempre quando leio palavras dele fico feliz.
Bartira

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Médicos ingleses dizem que mulheres podem ter parto em casa

Pesquisadores não vêem problemas em gestações de baixo risco.
Taxa de complicação é a mesma de hospitais, afirma estudo.

Do G1, em São Paulo - http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2011/11/medicos-ingleses-dizem-que-mulheres-podem-ter-parto-em-casa.html

A mulher com gravidez de baixo risco pode ter a opção de fazer o parto em casa, afirmam médicos ingleses em um estudo publicado nesta semana na revista médica “British Medical Journal”. Segundo eles, embora o risco de complicações seja mais elevado no parto domiciliar, ele não é alto o suficiente para tirar a opção das mães.

A equipe de Peter Brocklehurst, da Universidade de Oxford, analisou mais de 64 mil nascimentos ocorridos após gestações de baixo risco. Ele comparou os problemas apresentados nos nascimentos ocorridos em casa, com uma parteira, em clínicas de parteiras com estruturas básicas de obstetrícia e em hospitais.

A taxa de problemas apresentados foi baixa em todos os partos – 4,3 para cada mil nascimentos –, independente do local onde ele foi feito.

O risco aumenta um pouco para mães de primeira viagem realizando partos em casa (9,3 para cada mil nascimentos), mas ainda continua baixo. Para mulheres que já tinham tido filhos, a taxa se manteve. As clínicas de parteiras não tiveram diferença de risco em comparação com os hospitais.

Segundo o levantamento, mulheres que tenham feito todo o pré-natal, tido acompanhamento médico e não apresentem nenhum problema ao longo da gestação, podem fazer o parto no ambiente em que se sentirem mais confortáveis.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Blogagem coletiva – Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher



Porque NÃO é normal ter que escolher entre um parto normal traumatizante e uma cesariana.
A humanização do atendimento é DEVER da equipe obstétrica e DIREITO da mulher.

Leia abaixo na íntegra o post da Nanda no blog MAMÍFERAS sobre a Campanha da Blogagem coletivaDia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher.

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Autora: Nanda
Como a Kalu falou ontem, no dia 25 de novembro é comemorado o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. Lá no Blogueiras Feministas tem um post bacana, esclarecendo o motivo da data, outras datas importantes e ações online que estão sendo feitas para dar visibilidade à causa. Infelizmente, como a Tata já colocou aqui em outra ocasião, são poucas as feministas que conseguem fazer o elo entre as lutas mamíferas, dentre as quais a luta pelo direito de parir dignamente – que é uma luta pelo direito ao próprio corpo – e o feminismo. O feminismo luta pela igualdade de direitos, e não pela dominação feminina, subjugando os homens. E nenhum homem sofre os maus-tratos que as mulheres sofrem em um atendimento hospitalar.

A violência institucional é uma das marcas mais fortes do atendimento obstétrico no Brasil. Seja em hospitais particulares ou públicos, as agressões ultrapassam o limiar físico para chegar ao psicológico. Acontece quando uma mulher, já privada de seu corpo sem pelos, sem fezes, é privada de sua voz. A vocalização, auxílio importante para a fase expulsiva do parto, é calada com desdém: “Na hora de fazer não gritou.”, é o lugar-comum da equipe obstétrica. Em vez de obedecer seu corpo, a mulher deve obedecer o comando médico: “Faz força, mãe!”

Isso tudo chega ao ápice quando lemos notícias como as que dizem que as grávidas do sistema carcerário de São Paulo são obrigadas a dar à luz algemadas. A privação da movimentação é repetida na cesariana, quando a mulher é sedada e presa com correias à mesa de cirurgia. Também repetida quando a ocitocina sintética – o sorinho - é ministrada indiscriminadamente. Mas nada se compara à estigmatização que as detentas vêm sofrendo.

E sabe o que é o pior? Os leitores da matéria corroboram a prática. E dentre esses leitores, muitas mulheres defendendo. São as mesmas pessoas que acham que mulher que sai na rua com a roupa curta tem mais é que ser estuprada, e de repente, são as mesmas pessoas que acham que mulher que engravidou e ainda por cima está no SUS (que é de todo mundo e de ninguém), tem mais é que se resignar com o tratamento recebido e dar graças à deus por sair com o filho vivo.

O parto é a confirmação de um ato pecaminoso. Diz a bíblia que as dores do parto são consequências da desobediência de Adão e Eva. É quase compreensível essa visão agressiva que é lugar comum no atendimento obstétrico de uma sociedade extremamente religiosa. É compreensível, mas não é aceitável. Assim como não é aceitável dizer que deus criou o homem e a mulher diferentes, por isso seus direitos têm que ser diferentes.

No SUS, é comum ouvir frases como “Não grita não, mãezinha, que ano que vem você tá aqui de novo”. No atendimento particular, as mulheres que insistem em um parto normal livre de intervenções são chamadas nos bastidores de “frescas” ou “afetadas”. Perceber que o erro nesse caso é do atendimento, e não da mulher, é o primeiro passo para começar a combater a violência cometida contra elas.

A Luana, leitora do Mamíferas, comentou que seu médico lhe deu duas opções: uma cesariana ou uma episiotomia. E ela não está sozinha: a maioria dos médicos dita parâmetros totalmente infudados para fazer valer as suas vontades. Na blogosfera internacional existe o termo Birth Rape para designar os maus-tratos sofridos pelas parturientes nas mãos da equipe obstétrica. Se lhe parece um pouco agressiva a comparação com um estupro, imagine que você não quer fazer sexo – de jeito nenhum -, então seu marido lhe dá duas opções: anal ou oral. E aí? Você tem que escolher uma dessas duas opções?

Agora veja um ultimato desses recebido na situação da parturiente, fragilizada, em uma situação onde ela precisa se entregar à si mesma, mas está sendo obrigada a se entregar ao médico. E o pior: a vida da criança está sendo colocada em jogo, mesmo que não esteja em risco. Como isso é justo? Como isso pode ser considerado normal? Como podemos argumentar que a equipe obstétrica não tem nenhuma culpa no aumento dos índices da cesariana, se estão oferecendo a cruz ou a espada?

É extremamente importante fazer com que as mulheres percebam que elas não podem ser tratadas desse jeito. Difícil, uma vez que a auto-estima da maioria esmagadora das mulheres no Brasil é formada por músicas que as chamam de cachorras e homens que a tratam pior do que aos seus animas de estimação. O que esperar d@ médic@? Principalmente quando essa forma de violência já se tornou rotineira? Por isso estamos organizando, em parceria com o blog Parto no Brasil, essa blogagem coletiva. Para que você use do seu espaço pessoal, seja ele blog, Facebook, Twitter ou qualquer espaço virtual utilizado por você, para disseminar a consciência de que o atendimento oferecido para as gestantes brasileiras não é normal. E não pode ser aceito. Sinta-se à vontade para divulgar a imagem do post em qualquer espaço que julgar adequado.

Se você vivenciou alguma história de violência obstétrica durante seu parto e sente vontade de compartilha-la, a Ligia Moreira, do Cientista que Virou Mãe, está fazendo seu doutorado sobre a percepção das mulheres sobre a violência cometida contra elas no pré-parto, parto e puerpério, e está recolhendo depoimentos sobre isso. Além de mandar pra ela, conta pra gente aqui nos comentários. Conta pro mundo no seu blog. E quer você tenha sido violentada ou não, ajude a espalhar a ideia de que a realidade da obstetrícia no Brasil (não só nos índices) precisa começar a mudar. E essa mudança não deve ser oferecendo cesarianas na rede pública, mas sim, oferecendo um atendimento digno em qualquer lugar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Fator econômico se sobrepõe ao clínico na opção pelos partos cesáreos, revela dissertação do Cedeplar

terça-feira, 22 de novembro de 2011, às 9h10
Fonte: http://www.ufmg.br/online/arquivos/021795.shtml

As variáveis clínicas que justificam o parto cesáreo – riscos para o bebê ou para a mãe – não têm prevalecido na escolha desse procedimento, que cada vez mais substitui o parto normal nos hospitais brasileiros. A conclusão é da economista Tabi Thuler Santos, que defendeu recentemente a dissertação Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil. Segundo o estudo, fatores não clínicos, como a renda da parturiente, parecem definir a escolha.

Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera aceitável o percentual de 15% de cesarianas no total de partos, o Brasil registra atualmente em torno de 85% no setor privado e cerca de 35% nos hospitais públicos. Na base de dados analisada pela pesquisadora – um plano de saúde empresarial do estado de São Paulo, no período de 2004 a 2009 –, as cesarianas ultrapassaram os 90%.

Como na maioria das vezes o médico obstetra recebe maior remuneração na realização de parto cesáreo, Tabi Thuler procurou investigar se a vantagem financeira de um tipo de procedimento para o outro tem importância na decisão do médico por realizar cesariana. Segundo a autora, o trabalho é inédito no país por utilizar arcabouço econométrico. “Embora haja muitos estudos médicos sobre o tema, não há pesquisas com esse viés econômico”, afirma, ao lembrar que o principal limitador para esse tipo de pesquisa é a falta de dados. “Minha dissertação só foi possível porque um plano de saúde abriu, pela primeira vez, seu banco de dados para o grupo de pesquisa da minha orientadora, professora Mônica Viegas Andrade”, diz.

O trabalho de Tabi Thuler avalia, por meio de modelo empírico de regressão logística, o impacto do diferencial de remuneração do médico sobre a probabilidade de o parto ser cesáreo. “Como não existem informações sobre os valores recebidos pelos médicos analisados, a estratégia utilizada foi a construção de uma proxy, ou aproximação”, comenta a pesquisadora. Um dos resultados da pesquisa é que a demanda induzida cresce com o aumento do diferencial de remuneração entre os dois tipos de parto.

Traço cultural
“O médico detém mais informações sobre a situação do que o paciente, por isso pode induzir escolhas”, lembra a economista. Tal poder de indução se amplia com a prática – específica do Brasil, segundo ela – de a mulher preferir o parto com o obstetra que a acompanhou no pré-natal.

Outro traço cultural que influencia na escolha, de acordo com Tabi Thuler, é a crença de que o parto cesáreo tem resultado melhor para a saúde. “A ideia é que, por ser um procedimento cirúrgico, o médico teria maior controle sobre a situação, o que traria melhor resultado para a mãe e para o bebê, mas isso não é verdade”, diz ela. Artigos e estudos demonstram que, ao contrário, cesarianas aumentam o uso de anti-inflamatórios pós-parto, o tempo do bebê na incubadora e até as taxas de mortalidade.

Com relação às variáveis que se mostraram importantes na escolha, o estudo apontou a renda da parturiente; o diferencial de remuneração, ou seja, quanto maior a remuneração da cesariana perante o parto normal, maior a probabilidade de o parto ser cesáreo; e o fato de o hospital estar em uma capital, o que pode estar relacionado à complexidade da instituição ou à urbanização, mas o estudo não teve elementos para esclarecer o fato.

Mais estudos
Aumentar o valor pago pelo parto normal ou remunerar por hora de trabalho não parece ser a solução, pois poderia gerar problema contrário, nos casos em que a mulher de fato precise da cesariana, e o obstetra opte pelo procedimento mais caro. Além disso, nem sempre há uma relação direta entre remuneração e escolha do método a ser adotado. “Há outros motivos, como o custo de oportunidade, isto é, enquanto realiza o parto, o médico abre mão de fazer outras coisas, como uma consulta ou até mesmo descansar. E o parto normal tende a ser mais longo”, exemplifica a pesquisadora.

Outro incentivo às cesarianas é o fato de poderem ser agendadas, o que exclui imprevistos como o atendimento em finais de semana e de madrugada. “Tentamos verificar se tendem a aumentar em períodos como final e meio do ano, mas não conseguimos comprovar tal relação”, diz a economista.

Ruim para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para os planos privados por elevar os custos hospitalares, bem como para pacientes, por aumentar desnecessariamente os riscos, o número exagerado de partos cesáreos ainda precisa ser objeto de outros estudos, afirma Tabi Thuler. “Este estudo propiciará a realização de novas pesquisas”, diz a economista.

(Boletim UFMG, edição 1758)

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

O Renascimento do Parto - Promocional

Aguardamos ansiosamente o lançamento nacional do filme O Renascimento do Parto em MARÇO de 2012!

PARTO (IN)SEGURO - Experiências no Brasil e no Reino Unido

Seminário Internacional sobre Segurança e Qualidade na Assistência ao Parto

Data:
Quarta-feira, 09 de novembro de 2011
Horário: 14h às 17h
Local: Auditório João Yunes, Faculdade de Saúde Pública da USP
Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo – SP (Metrô Clínicas)
Público alvo: Gestores, profissionais de saúde, pesquisadores, estudantes, usuários da saúde, movimentos de mulheres
Inscrições gratuitas e informações: svalunos@fsp.usp.br

Como tornar a assistência ao parto mais segura e promover uma melhor vivência para as mulheres e famílias? Experiências no Brasil e no Reino Unido

... O Brasil não tem conseguido reduzir a morbimortalidade materna, e enfrenta um aumento de nascimentos de bebês prematuros e de baixo peso. São problemas de vigilância, avaliação e planejamento das ações em saúde, todas permeadas por dimensões culturais.

As Metas do Milênio propostas pela ONU, além de provocarem algumas transformações concretas, servem também como um tipo de diagnóstico da situação atual. Tudo isso configura então a expectativa de que a Meta do Milênio número 5 (redução de três quartos da mortalidade materna entre 1990 e 2015) não será alcançada. (Fonte: The Lancet, Saúde dos Brasileiros, 2011).

O Brasil através do SUS tem conseguido uma grande vitória que é a universalização do cuidado à saúde. É hora de dar atenção à qualidade e à segurança do cuidado. Intervenções benéficas e seguras, como grupos educativos no pré-natal, presença de acompanhantes no parto, garantia da privacidade das pacientes, e recursos não farmacológicos de alívio da dor, não tem sido oferecidos à grande maioria das mulheres, nem quando previstos em lei. Pesquisas brasileiras mostram taxas de depressão e stress pós-traumático pós-parto mais alto que em outros países.

A assistência no Brasil se caracteriza por um uso excessivo de intervenções como cesáreas, episiotomias, fórceps, e aceleração do parto com drogas, e tais intervenções podem levar a consequências adversas à saúde de mães e bebês. Estas podem ser de curto prazo (período perinatal), e algumas delas podem ter consequências para o resto da vida.

Estes aspectos do cuidado e suas consequências são problemas de segurança e de qualidade da assistência, e devem fazer parte dos sistemas de informação em saúde.

A Faculdade de Saúde Pública da USP quer enriquecer este debate e, para isso, convida a comunidade para o encontro da Profa. Jane Sandall, do Reino Unido, com três especialistas brasileiras: Dra. Sonia Lansky, de Belo Horizonte, MG; Dra. Maria Esther Vilela, de Brasília-DF; e Dra. Simone Grilo Diniz, líder deste grupo de pesquisa. (Confira mini-cvs abaixo).

Como mudar este quadro? Venha discutir conosco!

Convidadas:

Jane Sandall
é socióloga e parteira (midwife), coordenadora do Centro de Pesquisa sobre Inovação na Segurança dos Pacientes e na Qualidade da Assistência, do Sistema Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido, sediado no King's College London, onde é professora na Divisão de Saúde da Mulher.

Sonia Lansky é médica pediatra, coordenadora da Comissão Perinatal da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG. A experiência de "BH pelo parto normal" é destaque internacional, tendo sido premiada pela OPAS/OMS Brasil, em 2011, no concurso Boas Práticas em Iniciativa de Maternidade Segura.

Maria Esther Vilela é médica obstetra, coordenadora da Área Técnica da Saúde da Mulher no Ministério da Saúde, Brasília, DF. Está à frente da implementação da Rede Cegonha, projeto de governo que prevê, entre outros, a efetivação da "linha do cuidado às gestantes", em âmbito municipal.

Simone Diniz é médica, doutora em Medicina Preventiva, livre-docente do departamento de Saúde Materno-infantil da FSP/USP. Líder do grupo de pesquisa do CNPq GEMAS (Gênero, Evidências, Maternidade e Saúde), e coordenadora da Pesquisa Nascer no Brasil na região Sudeste.

Realização:
GEMAS (Gênero, Maternidade, Saúde)
gemas.usp@gmail.com

Apoio:
Departamento de Saúde Materno-Infantil da FSP/USP
Comissão de Cultura e Extensão Universitária (CCEx/FSP/USP)
Pró-Reitoria de Pós-Graduação da USP
OMS/OPAS Brasil – Unidade Técnica Saúde da Mulher, do Homem, Gênero e Diversidade Cultural
Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – Áreas Técnicas de Saúde da Mulher e da Criança

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Doulas, as amigas da hora do parto

FONTE: http://www.gazetadopovo.com.br/saude/conteudo.phtml?id=1146554

Com suporte emocional e muita informação, trabalho dessas profissionais dá segurança às gestantes e favorece o trabalho médico.

O celular de Patrícia Bortolotto precisa estar sempre ligado: a qualquer momento ela pode receber a ligação de uma gestante em trabalho de parto. Mãe de três filhos, Patrícia contabiliza mais de 145 partos em que auxiliou o nascimento de bebês e de no­­vas mães. Mas ela não é obstetra e tampouco parteira: advogada, ela atua hoje mais como doula – ou “aquela que serve” na definição do termo. Sua função antes, durante e depois do parto é ser um ponto de referência, fonte de segurança e informação para as gestantes. “Faço três encontros individuais antes do parto, indico materiais de leitura e promovo encontros entre gestantes. Durante o parto, a doula fornece su­­porte físico e emocional à mulher”, esclarece Patrícia.

O trabalho da doula, que traz be­­ne­­fícios reconhecidos pelo Minis­tério da Saúde, é definido como vocação, mas antes de exercê-la é preciso fazer um curso. O mais próximo é realizado em São Paulo. Se­­gundo Angelina Pita, coordenadora do curso fornecido pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (Gama), no Brasil existem cerca de 1,5 mil pessoas capacitadas para trabalhar co­­mo doulas, mas apenas de 10% a 20% está atuante. “A procura tem aumentado muito nos últimos meses, por conta da maior divulgação deste trabalho”, observa An­­gelina. A atividade das doulas vai na contramão de uma tendência em que a cesárea é a escolha de muitas mulheres. Dados da Pesquisa Nacio­nal de Demografia e Saúde (PNDS) mostram que no Brasil, 77% dos partos feitos na rede particular são cesáreas. Na Região Sul, 51,4% dos partos acontece desta forma.

Grávida de seis meses de seu se­­gundo filho, a administradora Si­­mone Melo viveu todas as inseguranças da maternidade em sua primeira gestação e isso incluía os mitos que cercavam o parto. “No começo tudo parecia muito assustador, tanto a cesárea, quanto o parto normal; mas no fim da gravidez eu não conseguia imaginar o nascimento do meu bebê se não fosse de forma natural”, conta a mãe de Artur, de um ano e sete meses.

A segurança para trazer o filho ao mundo sem qualquer intervenção de anestesia e sem a necessidade de pontos após o nascimento foi alcançada por Simone com o apoio de Pa­­trícia, que além de tirar as dúvidas de gestantes individualmente, abre a sua casa para encontros quinzenais gratuitos entre futuras mães e pais. “Lá eu tive a oportunidade de afas­­tar os medos com fatos. A gente assistia a alguns vídeos e as pessoas que já ti­­nham filhos contavam suas experiências sobre o que foi bom e o que não foi na hora do parto”, conta Si­­mo­­ne. “O mé­­­­dico acaba sendo técnico e a doula é um apoio mais emocional”, explica.

Desconfiança X benefícios

Nem todos os médicos são abertos à parceria de trabalho com uma doula. Para que preconceitos não atrapalhem esta relação é preciso que a gestante verifique se seu obstetra sabe o que faz uma doula e que ele aceite esta assistência prestada à mulher. O médico obstetra Carlos Miner é um incentivador do parto humanizado e há três anos trabalha com gestantes acompanhadas por doulas. Ele sente que as pacientes que têm esta assistência chegam mais preparadas e seguras para o grande momento. “Elas vão mais esclarecidas e informadas, assim a performance é melhor, diz Miner.

Na hora do parto, a doula é a primeira a ser chamada e a última a ir embora seja em procedimentos realizados em maternidades ou em casa. Seu principal papel é orientar a mulher em relação ao que ela pode esperar da gravidez, do parto e do pós-parto. “Ela não substitui o trabalho médico e de enfermagem, nem a presença do marido. A doula é uma acompanhante profissional que conhece as reações, orienta e acalma a parturiente. Com ela, a evolução do parto é melhor e a satisfação da gestante maior”, diz.

Encontre uma doula

O site www.doulas.com.br mantém um cadastro de doulas por Estado. Lá é possível encontrar o telefone de contato destas profissionais.

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Atividade

Veja o que fazem as doulas:

Durante o trabalho de parto, a doula:

• Orienta sobre a posição durante as contrações
• Favorece a manutenção de um ambiente tranquilo e acolhedor, com silêncio e privacidade
• Auxilia com técnicas respiratórias, massagens e banhos
• Orienta a mulher sobre os métodos para o alívio da dor que podem ser utilizados, se necessários
• Estimula a participação do marido ou companheiro em todo o processo
• Apoia e orienta a mulher durante todo o período expulsivo, incluindo a possibilidade da liberdade de escolha quanto a posição a ser adotada

Depois do nascimento do bebê, a doula:

• Informa e orienta a mulher quanto à eliminação do cordão
• Estimula a colocação do recém-nascido sobre o abdome materno, incentivando o início da sucção ao peito materno e favorecendo o vínculo afetivo mãe-filho
• Orienta também quanto ao início e manutenção do aleitamento materno

Serviço:

Mais informações sobre como se tornar uma doula nos sites www.maternidadeativa.com.br e www.doulas.org.br.

(FONTE: Parto, aborto e puerpério – Assistência Humanizada à Mulher – 2001)


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Entrevista

Angelina Pita, coordenadora do curso para formação de doulas realizado em São Paulo pelo Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (GAMA), esclarece algumas questões sobre este trabalho:

Só mulheres podem ser doulas?
Não, mas tradicionalmente esse é um papel de mulheres. Já tivemos alguns homens fazendo o curso, normalmente eles são enfermeiros, fisioterapeutas e psicólogos procurando uma formação complementar para o trabalho com gestantes.

O que é preciso para ser uma doula?
Gostar de partos, admirar o processo de gerar e parir, acreditar que o parto é natural, fisiológico e ter vontade de ajudar as mulheres nesse momento. Sem dúvida é vocação. Algumas doulas chegam dizendo que desde crianças adoram o tema.

Como surgiu a ideia de criação do curso para formar doulas?
O curso existe desde 2002 e surgiu como uma forma de multiplicar as ideias de humanização do parto, de respeito e valorização da mulher e do bebê, que são, desde o início, o motivo principal do nosso trabalho.

Ainda há preconceito quaanto ao trabalho delas?
Sim, há hospitais que proíbem a entrada da doula por não ser uma profissão oficial e não ter um Conselho Profissional que a regule. Há médicos que não gostam da presença de mais uma pessoa no ambiente de parto. Porém, com a crescente divulgação do serviço cada vez mais profissionais têm visto os benefícios do trabalho da doula no parto para mãe, bebê e para o andamento dos processos do nascimento em geral: trabalho de parto, estado emocional pós-parto, desenvolvimento de vínculo e menos problemas com amamentação.

Parto Normal vs. Cesárea - (parte 3): principais pretextos para cesariana sem respaldo científico

AUTORA: Dra. Melania Maria Ramos de Amorim

Nos artigos anteriores desta série, apresentamos a magnitude do problema das cesarianas no Brasil e comentamos que grande parte dessas cesarianas são eletivas (fora do trabalho de parto) e realizadas por pretextos que não encontram suporte na literatura científica (1-5). No presente artigo iremos discutir alguns desses pretextos.

Circular de cordão – a possibilidade de se detectar circular de cordão pela ultrassonografia tem levado a muitas indicações desnecessárias de cesariana em nosso país. No entanto, a presença de uma ou mais circulares de cordão ao nascimento representa um achado fisiológico em 20 a 37% dos bebês (6-8). Bebês saudáveis se movimentam dentro do útero e giram para um lado e para o outro, podendo formar e desfazer circulares a qualquer momento. Desta forma, é baixa a acurácia da ultrassonografia, mesmo associada à dopplervelocimetria colorida, para predizer circulares de cordão ao nascimento, uma vez que com a constante movimentação fetal, tanto um bebê com diagnóstico de circular pode nascer sem circular como o contrário, um bebê em que a ultrassonografia não detectou circular pode nascer com uma ou mais circulares de cordão. Além disso, os estudos observacionais demonstram que a presença de circular de cordão não se associa com piora do prognóstico perinatal (6-8). Em um estudo com 11.748 mulheres, a taxa de circulares ao nascimento foi de 33,7% a termo e 35,1% pós-termo. Desacelerações da frequência cardíaca fetal (FCF) intraparto foram mais frequentes na presença de circular de cordão, e eliminação de mecônio foi aumentada apenas nos casos de gestações pós-termo com múltiplas circulares. Alterações de gasimetria foram mais frequentes em bebês com circular de cordão, porém não houve aumento dos escores de Apgar menores que sete nem das admissões em UTI neonatal (8).

Desta forma, não se deve modificar a conduta obstétrica em função de um diagnóstico eventual de circular de cordão, e não é necessário pesquisar circular de cordão no exame ultrassonográfico nem anteparto nem no momento da admissão em trabalho de parto (8,9). A monitorização da FCF deve ser realizada em todas as parturientes, independente do prévio conhecimento de que existe uma circular (10). Assim, eventualmente, em caso de uma ou mais circulares cervicais apertadas levando a desacelerações da FCF, uma ausculta fetal cuidadosa pode detectar precocemente essas alterações e a conduta obstétrica nesses casos seguirá as recomendações preconizadas para uma frequência cardíaca fetal não tranquilizadora (10).

Gestação prolongada – gestação prolongada é aquela que excede 42 semanas, ocorrendo em 5% das gestações, enquanto 10% de todas as gestações se estendem além de 41 semanas (11). O prolongamento da gravidez se associa ao aumento da morbimortalidade perinatal, com maior frequência de morte perinatal, anormalidades da frequência cardíaca fetal intraparto, eliminação de mecônio e cesariana (12). No entanto, o risco absoluto de eventos perinatais desfavoráveis é baixo. Embora haja controvérsias em relação à conduta obstétrica, uma vez que alguns autores e diretrizes de sociedades recomendam indução sistemática a partir de 41 semanas e outros sugerem como alternativa a expectação com monitorização do bem estar fetal (13, 14), nenhuma diretriz específica sugere a realização de cesariana. Quando se compara conduta ativa com conduta expectante, o que se define como “conduta ativa” é a indução do parto. Em uma revisão sistemática recentemente atualizada da Biblioteca Cochrane que incluiu 19 ensaios clínicos randomizados e 7984 mulheres, os autores concluem que uma política de indução depois de 41 semanas de gravidez ou mais comparada com a conduta de expectar o início espontâneo do trabalho de parto está associada com menor risco de morte perinatal. No entanto, como o risco absoluto é extremamente baixo (2/2953), as mulheres devem ser aconselhadas em relação tanto ao risco relativo como absoluto e participar ativamente do processo de tomada de decisão em relação a uma ou outra conduta (11). Deve-se alertar que uma das consequências de interromper sistematicamente as gestações pós-termo tem sido o aumento das taxas de prematuros tardios (por erros na determinação da idade gestacional), implicando em aumento da morbidade neonatal (15).

Oligo-hidrâmnio – oligo-hidrâmnio consiste na redução do líquido amniótico, mas ainda existem lacunas na literatura sobre qual o melhor método ultrassonográfico para seu diagnóstico. Os métodos mais frequentemente usados são a avaliação subjetiva, a mensuração do índice do líquido amniótico (ILA), representado pela soma do maior bolsão de líquido em cada um dos quadrantes e a medida do maior bolsão. O diagnóstico de oligo-hidrâmnio pelo ILA é feito quando este se encontra abaixo de 5 cm. Pela medida do maior bolsão, quando se encontra um valor menor que 2 cm (15). A revisão sistemática da Cochrane sugere que a medida do maior bolsão é mais acurada que o ILA, uma vez que a medida do ILA se associa com maior frequência de oligo-hidrâmnio, maior número de induções do parto e de cesarianas, sem melhorar os desfechos perinatais (16).

A conduta na presença de oligo-hidrâmnio depende de sua etiologia, da idade gestacional no diagnóstico, da vitalidade fetal avaliada por outros métodos e da presença de outros fatores de risco associados (15). Na presença de oligo-hidrâmnio com membranas íntegras, existe a preocupação com insuficiência uteroplacentária e a literatura descreve maior frequência de eliminação de mecônio, padrões anormais de FCF intraparto e cesariana quando o ILA é menor que 5 cm. No entanto, não foram documentadas diferenças significativas em relação aos escores de Apgar e admissão em UTI neonatal (17).

Na ausência de comprometimento da vitalidade fetal, a presença de oligo-hidrâmnio pode indicar a indução do parto, a depender da idade gestacional e da associação com outras condições mórbidas (p.ex. pré-eclâmpsia e restrição do crescimento fetal). O achado isolado de oligo-hidrâmnio, principalmente a termo, não representa indicação de cesariana. Esta pode estar indicada se há alteração das outras provas de vitalidade fetal, como cardiotocografia, outras variáveis do perfil biofísico fetal (PBF) e dopplervelocimetria da circulação fetal. A antecipação do parto pode ser necessária nos casos graves de oligo-hidrâmnio associado com restrição de crescimento fetal mesmo em idade gestacional precoce. Nesses casos, a decisão pela via de parto deve se basear na condição fetal avaliada pelas provas de vitalidade fetal, especialmente a dopplervelocimetria, no peso e no prognóstico fetal, além da opinião materna (15, 19).

Macrossomia – define-se como macrossomia um peso ao nascer maior ou igual que 4000g, de forma que o diagnóstico definitivo só pode ser firmado depois do nascimento. A ultrassonografia, entretanto, permite a estimativa do peso fetal e tem sido usada em alguns estudos para a predição da macrossomia (20). A macrossomia fetal encontra-se associada com aumento do risco de morbidade materna e perinatal, especialmente paralisia de Erb e distocia de ombro, em relação àquela observada para os conceptos com peso adequado para a idade gestacional (21). No entanto, esse aumento do risco é mais evidente em gestações complicadas por diabetes (22), devendo-se diferenciar os bebês macrossômicos constitucionais daqueles filhos de mães diabéticas. Além do mais, a distocia de ombro representa uma condição imprevisível (23) e 50% dos casos acontecem em bebês com peso normal (24).

Desta forma, a macrossomia fetal per se não constitui indicação de cesariana. Sugerem-se benefícios da cesariana eletiva em fetos de gestantes diabéticas quando a estimativa ultrassonográfica excede 4.500g e em fetos de mães não diabéticas quando essa estimativa excede 5.000g. Esta tem sido a recomendação do American College of Obstetricians and Gynecologists – ACOG (25). Mesmo assim, seriam necessárias mais de 1.000 cesáreas para prevenir um único caso de lesão do plexo braquial, de forma que a indicação de cesariana nesses casos deve ser tomada em conjunto com a gestante, depois de esclarecimento dos possíveis riscos e benefícios associados (26). A indução do parto na suspeita de macrossomia fetal também não está indicada, de acordo com os resultados de uma revisão sistemática da Biblioteca Cochrane (26). Destaca-se, sobretudo, que a ultrassonografia tem acurácia limitada para estimar adequadamente o peso fetal a termo, e não deve ser empregada rotineiramente com esta finalidade, porque pode levar a cesarianas desnecessárias pela suspeita de macrossomia (27).

Prematuridade – a alegação de que em casos de prematuridade extrema haveria uma indicação de cesárea para proteger o delicado encéfalo fetal não encontra respaldo na literatura. A via de parto não influencia significativamente o desfecho neonatal em fetos vivos em apresentação cefálica entre a 24ª e a 28ª semana de gravidez (28). Realizar cesariana como rotina para partos pré-termo associa-se com aumento da morbidade materna e pode provocar um nascimento evitável, pois em casos de trabalho de parto prematuro espontâneo este poderia ser inibido (29), permitindo o uso de estratégias efetivas que realmente conferem neuroproteção, como corticoide (30) e sulfato de magnésio (31). A revisão sistemática da Cochrane não evidencia efeitos benéficos em termos de desfechos perinatais com a cesariana, que se associa, entretanto, com expressivo aumento da morbidade materna (32). Por outro lado, as evidências sobre a melhor via de parto em caso de conceptos prematuros em apresentação pélvica são escassas, apenas quatro ensaios clínicos randomizados foram publicados, somente um foi concluído e nenhum teve poder suficiente para chegar a conclusões satisfatórias (33). A maioria das diretrizes de sociedades recomenda cesariana para conceptos prematuros viáveis em apresentação pélvica. Abaixo dos limites de viabilidade, que variam conforme a região e a complexidade de cada serviço, cesariana não deve ser realizada porque a excessiva morbidade materna não se justifica face à reduzida probabilidade de sobrevida dos conceptos (34).

Baixo peso – recém-nascidos de baixo peso (menor que 2500g e muito baixo peso ao nascer (menor que 1500g) apresentam risco aumentado de cesariana. No entanto, os estudos sugerem que a cesariana não traz benefícios para esses conceptos quando o único achado é o baixo peso. Uma revisão sistemática da Cochrane envolveu seis ensaios clínicos randomizados e apenas 122 gestantes, encontrando-se maior risco de pH baixo no sangue do cordão entre os nascidos por cesariana, sem diferença significativa em relação a outros desfechos perinatais, porém com aumento expressivo da morbidade materna (32). Também não se recomenda cesariana de rotina para os conceptos pequenos para a idade gestacional, condição que pode refletir restrição do crescimento fetal, porque apesar de esses conceptos apresentarem maior risco de morbimortalidade neonatal, um possível efeito benéfico da cesariana para melhorar esses desfechos ainda não foi determinado (35)

Envelhecimento placentário precoce – o termo “envelhecimento placentário precoce” foi criado com base na classificação original de Grannum (graus zero, I, II e III de placenta), que nunca descreveu esta condição (36), mas alguns autores passaram a utilizá-lo para descrever uma situação em que o grau placentário antecede a idade gestacional esperada (37). Esta nomenclatura pode gerar angústia para as pacientes e muitas vezes para os obstetras, que podem indicar cesarianas desnecessárias, principalmente em fetos prematuros. No entanto, outros estudos indicam que a classificação de Grannum é de limitado valor para determinar tanto a maturidade fetal como possíveis desfechos adversos, sugerindo que o aumento do grau placentário se deve à maturação normal das placentas (38, 39). Tem sido descrito que a presença de placenta grau III entre 31 e 34 semanas se associa com maior risco de restrição de crescimento fetal, hipertensão, sofrimento fetal, baixo peso ao nascer e baixos escores de Apgar no 5º. minuto (40, 41) porém o prognóstico perinatal não depende do grau placentário por si só, mas sim das complicações clínico-obstétricas associadas (41).

Desta forma, o envelhecimento placentário precoce isolado não é indicação de cesariana, sendo o parto vaginal recomendado. Na presença de outros fatores associados, como oligo-hidrâmnio, restrição de crescimento fetal, pré-eclâmpsia ou centralização fetal, deve-se seguir as orientações de cada condição clínica. Da mesma forma que ultrassonografia na segunda metade da gravidez não está indicada de rotina em gestações de baixo risco, também não se indica a pesquisa do grau placentário sem uma indicação específica (42).

Na verdade, em se tratando de um procedimento cirúrgico invasivo, a decisão para a realização de uma cesariana deve ser criteriosa e sempre discutida com a paciente. É necessário prover informações com base em evidências para as gestantes durante o período pré-natal de forma acessível, levando em conta as suas características e expectativas. A discussão deve envolver indicações, procedimentos envolvidos, riscos e benefícios associados, implicações para futuras gestações e partos depois de uma cesariana (19). Neste sentido, desmistificar os pretextos que são frequentemente utilizados para indicar uma cesariana sem respaldo científico pode contribuir para o empoderamento e o resgate da autonomia feminina, permitindo que realmente a mulher tome parte do processo de decisão, embasada no conhecimento das evidências mais atualizadas sobre o tema.

No próximo artigo, abordaremos especificamente outra frequente indicação de cesariana que não é respaldada por evidências científicas sólidas: uma ou mais cesarianas anteriores. Na oportunidade, discutiremos riscos e benefícios do parto vaginal depois de uma cesariana (ou, em inglês, vaginal birth after cesarean – VBAC). Condições clínicas como hipertensão, diabetes e cardiopatia materna serão abordadas no artigo seguinte. O artigo final abordará as medidas e estratégias que podem ser adotadas para reduzir a incidência de cesariana.

Nota: grande parte dos comentários deste artigo basearam-se em uma revisão da literatura publicada pela colunista na Revista FEMINA em parceria com colaboradores do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira e intitulada “Condições frequentemente associadas com cesariana, sem respaldo científico” (19).

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FONTE: http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-3-principais-pretextos-para-cesariana-sem-respaldo-cientifico

quarta-feira, 30 de março de 2011

Porque obstetriz, ou, O que você tem a ver com isso?

por Ana Cristina Duarte, quarta, 30 de março de 2011 às 00:02
Entenda a opção pela obstetrícia. E se puder, apóie a causa.

Meu nome é Ana Cristina Duarte. Coordeno no GAMA - Grupo de Apoio à Maternidade Ativa (www.maternidadeativa.com.br).

Sou obstetriz formada pela USP-EACH.

Quando decidi me dedicar ao atendimento de mães e bebês, já casada, dois filhos, vida estabilizada, eu poderia ter trilhado qualquer caminho que quisesse, qualquer carreira. Mas eu esperei por alguns anos, perseguindo a Profª Dulce Gualda em todos os eventos de Humanização para saber quando sairia o prometido curso de obstetrícia da USP. No tempo em que esperei o curso sair, eu poderia já ter completado um curso de enfermagem! Mais dois semestres e algumas horas de estágio, eu já poderia ser enfermeira obstetra. Mas não era o meu sonho. Eu não me via como enfermeira, eu não queria estudar doenças, hospitais, cuidado com idosos, crianças, UTI, procedimentos, cardiologia, oncologia, sistematização do processo de cuidar, antes de me dedicar à minha paixão.

Eu queria estudar a mulher, seus processos, a gravidez, seus partos, seus bebês. Eu queria reinventar o cuidado na gravidez, parto e pós-parto. Eu queria pensar em como cuidar da mesma mulher desde o resultado do exame de gravidez, até ela estar amamentando seu bebê. Eu queria estar com ela desde o início, até o fim do processo. Com a mesma mulher, na sua família, na sua casa, no seu contexto social, emocional, afetivo. Eu me via assim, parteira. Eu não me via assim, antes enfermeira, depois especialista. Questão de identidade pessoal com uma carreira que já existe internacionalmente e já existiu no Brasil!

Quando o curso saiu para o vestibular de 2005, eu devo ter sido a primeira a me inscrever! Foram quatro anos de dedicação. Quatro anos estudando tudo o que se refere à mulher, nesta fase da vida. Tínhamos na ponta da língua tudo o que era normal e o que era anormal. Normal na média, normal fora da média, anormal. Exames, diagnósticos, sintomas. Equipe multidisciplinar, UBS, alto risco, baixo risco. Fisiologia, anatomia, nutrição, sociologia, psicologia. Mecanismos do parto, manobras, posições, apresentações, distocias, eutocia. Intervenções, estatísticas, saúde pública e privada. Filmes de parto entre técnicas de esterilização. Parto na água entre elaborações de escala.

Sacolejando em trens ou parados na Marginal Tietê ao final de um dia cansativo, nós sobrevivemos a quatro anos de intenso treinamento focado na assistência humanizada, segura e baseada em evidências no ciclo da gravidez, parto e puerpério.

Foram quatro intensos e difíceis semestres de estágio, porque ainda não existem campos de estágio onde a mulher seja vista e tratada como nós, alunos, havíamos aprendido na escola. Mas ainda assim pudemos atender muitos partos, consultas de pré natal, consultas de pós parto, em ambulatório e domicílio. Massagem nas costas e partograma, palavras de incentivo, acocorar no banheiro, abraçar, controlar a dinâmica e o gotejamento (desse não pudemos escapar). Proteção do períneo, clampeamento tardio (quando conseguíamos), contato pele-a-pele (quando transgredíamos).

Tivemos um excelente curso, que certamente poderia ser melhor (tudo pode ser sempre melhor) e que desde então vem sendo melhorado ano a ano, com novas disciplinas, reestruturação da grade, adaptação a exigências. Formamo-nos obstetrizes competentes e sedentos por trabalhar na assistência. Não queremos ser enfermeiros, nem médicos, nem psicólogos. Queremos trabalhar na assistência à saúde da mulher durante a gravidez, parto e puerpério. Apenas obstetrizes, como existem em todo o mundo sob os curiosos nomes de sage-femme, midwife, matrona, partera, hebamme, ostetrica, obstetrix, llevadora. Não estamos reinventando a roda e não negamos a importância de todas as outras profissões que existem.

Quero apenas continuar fazendo o que amo: assistência dentro de equipe multidisciplinar, com parceiros obstetras, psicólogos, enfermeiros, fisioterapeutas, doulas, educadoras, pediatras e muitos outros. Quero continuar parceira respeitosa e privilegiada desses maravilhosos médicos e enfermeiras obstetras que têm nos dado os braços nessa longa jornada pela melhoria da assistência à saúde no Brasil. Mas não quero ser enfermeira nem médica. Eu sou obstetriz.

Neste momento o primeiro e único (por enquanto) curso de formação de obstetrizes do país está sob ameaça. A USP pretende encerrar as vagas para a carreira já no próximo ano. A justificativa é que o COFEN (Conselho Federal de Enfermeiros) não nos reconhece como enfermeiros (que não queremos ser), bem como não mais reconhece a profissão obstetriz, apesar dela ser mais antiga que a enfermagem obstétrica. A proposta oficial da USP é "Fundir o curso de obstetrícia com a enfermagem", ou seja, aumentar um pouco o número de vagas para Enfermagem no vestibular e extinguir de vez a Obstetrícia.

Esse é o começo do fim. Sem vagas, sem alunos. Sem alunos, sem curso. Sem curso, sem carreira. Sem carreira, sem obstetrizes. Mesmo as que existem serão como solitárias andorinhas voando sem um bando. Sem fazer verão. Sem mudanças no cenário. Continuaremos como era antes, o que não era nada bom. Para impedir que isso aconteça, é necessária muita pressão da sociedade e é isso que estamos tentando fazer. Para isso peço sua ajuda neste momento.

Assinando nossa petição, manifestando nela a sua opinião, vamos mostrando que o curso não é uma manifestação de 250 alunos e 150 obstetrizes formados. Não estamos falando mais de um vestibular, nem de alguns formados a procurarem uma nova carreira. Assinando e manifestando repulsa a essa amputação proposta pela USP, mostramos que o curso e seu ideário são uma manifestação da sociedade por um mundo melhor, por uma forma diferente e justa de se gestar, nascer, dar à luz e amamentar seus filhos, que seja acessível a todas as mulheres. A obstetrícia não diz respeito a obstetrizes, enfermeiros, médicos, USP, CFM ou COFEN. A obstetrícia diz respeito à vida de todos e ao futuro dos nossos filhos.

Para assinar nossa petição: clique em http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/8452
Basta nome e RG, mas você também pode deixar uma mensagem de apoio. Não precisa preencher os outros dados.
Assinaturas já recolhidas (7800 na última visita): http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/abaixoassinado/8452/?show=500

Vídeo da Manifestação de apoio ao curso de obstetrícia da USP:
http://www.youtube.com/watch?v=-lq3BqQ6DT0

Reportagem da Globo:
http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1470143-7823-ALUNOS+DA+FACULDADE+DE+OBSTETRICIA+DA+USP+FAZEM+PROTESTO,00.html

Reportagem no blog da fotógrafa Bia Fioretti:
http://maesdapatria.wordpress.com/2011/03/27/forca-obstetriz-uma-essencia-da-profissao/

Grupo de Apoio no Facebook:
http://www.facebook.com/home.php?sk=group_149118918485370

Blog Obstetrizes Já:
http://obstetrizesja.blogspot.com/

Grata pela colaboração! E assine a petição, clicando aqui: http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/8452

Ana Cristina Duarte
Obstetriz
GAMA


Joseli recebendo seu filho.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A partir de hoje a Flavia Oliveira vai contribuir neste Blog como autora também...
Felizmente ela conseguiu resgatar os arquivos do antigo Blog Parto Humanizado (http://www.partohumanizado.blogger.com.br) que saiu do ar e vamos colando aqui!
Bem-vinda Flavia!