O problema de expressões como “cesariana humanizada”
ocorre porque existe um conceito no mundo da humanização do nascimento de que
tal procedimento cirúrgico não pode ser chamado de “humanizado”, pois lhe falta
um elemento essencial na humanização: o protagonismo. Sem o resgate do
protagonismo nunca haverá verdadeira humanização. Portanto uma cesariana pode
ser “humana”, gentil, digna e respeitosa, mas jamais "humanizada",
pois carece do elemento mais fundamental para contemplar essa definição. Não
existe "apendicectomia humanizada", “histerectomia humanizada”, ou
qualquer cirurgia que mereça esse epíteto, pois o protagonismo é do médico, e
não da paciente. Numa cesariana a mesma coisa. Cesariana é cirurgia obstétrica,
não é parto; portanto é um procedimento técnico, regido por protocolos médicos,
e nesse contexto as mulheres são necessariamente passivas.
O parto, pelo contrário, é ATIVO. É algo que a mulher
FAZ, e não ao qual é submetida. Somente aí poderão aparecer os elementos
constitutivos e definidores da humanização: o protagonismo, a visão integrativa
(bio-psico-social-emocional-espiritual) e a vinculação com a medicina baseada
em evidências.
Hoje em dia eu acredito que o ativismo só tem sentido
quando está focado no bem estar das pessoas. Veja bem, até a biblioteca
Cochrane se vacinou contra esse tipo de essencialismo obliterante e
homogeneizante ao difundir a Medicina Baseada em Evidências. Eu escrevi um
capítulo no meu segundo livro só para tratar desse tema, pois acredito que as
nossas convicções, por mais adequadas e humanistas que sejam, não podem solapar
a individualidade. Sou um defensor da liberdade, e acredito mesmo que o
individualismo - mesmo com sua tendência egocêntrica - é o único anteparo que
temos à barbárie. Com a ideia SEMPRE PRESENTE de que CADA MULHER É DIFERENTE DA
OUTRA fica impossível dizer "eu jamais faria isso". No que concerne a
um evento tão complexo como o parto, é injusto condenar mulheres que optam por
uma cesariana "sem andar 100 km dentro dos seus mocassins", assim
como não é adequado julgar um médico que, por alguma razão BEM ESPECÍFICA E
RARA, realizou uma cesariana a pedido, sem indicações clínicas evidentes. Se
isso não nos autoriza a realizar cesarianas à rodo, pelo menos nos mostra que
existem exceções, e que algumas vezes elas podem ser justificadas.
A multiplicidade das circunstâncias e a infinidade
incontável de histórias constitutivas do sujeito fazem do parto um evento
absolutamente único, vinculado às formas mais primitivas de organização
psíquica. O nascimento conjuga no mesmo evento morte, vida e sexualidade, no
dizer de Holly Richards. Como imaginar, então, que sua manifestação não seja
repleta de dilemas únicos e de profunda complexidade? Portanto, a partir do
momento em que aceitamos a visão complexa e subjetiva do fenômeno humano,
expresso no nascimento, as posturas "fechadas" como "eu
sempre" ou "eu nunca" acabam se tornando slogans do passado, um pouco
cafonas, que apenas nos lembram dos ímpetos da juventude, mas que necessitam da
sabedoria que vem com o amadurecimento.
Quando defendo o arrefecimento das posturas radicais, não
o faço pela desistência aos ideais. Pelo contrário: é para que os mesmos sonhos
não se dissolvam no calor da arrogância ou na insensatez dos extremismos. Todas
as ideias renovadoras na humanidade precisam ser bafejadas pela visão
humanista, que coloca o Homem como centro de nossas ações. Nossa luta por
partos humanizados só pode ter sentido se nos lembrarmos constantemente de que
as ideias de nada valem sem as pessoas.
E só pode ser para elas, em sua característica única, a
nossa atenção.
De: Ricardo Herbert Jones