Qualquer forma de violência é condenável.
Uma das piores formas de violência que eu conheço é a
violência obstétrica, pelas seguintes razões:
- Atinge dois seres que estão vulneráveis, e ao mesmo
tempo: a mãe e o bebê. Às vezes atinge também o acompanhante, em geral o pai do
bebê.
- É perpetrada por um grupo que tem o domínio (equipe
profissional) em seu próprio campo de batalha (o hospital, a sala de parto).
- Muitas vezes não tem testemunha (a equipe se cala, o
acompanhante muitas vezes foi impedido de assistir o parto).
- Não é reconhecida pela sociedade, que entende que os
profisssionas sempre estavam fazendo o seu melhor e que provavelmente a mulher
é quem não colaborou/se comportou.
- Tem quase 100% de impunidade, pois as poucas denúncias
caem no buraco negro dos conselhos profissionais e sindicâncias intermináveis.
- Pode causar graves sequelas físicas e psicológicas e,
em raros casos, a morte.
- Atinge um número absurdo de mulheres em nosso país, se
considerarmos todas as suas formas. Podemos estar chegando perto de 100% de
mulheres que foram ou serão submetidas à violência obstétrica durante seus
partos.
São atos de violência obstétrica:
- Impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua
preferência, familiar ou de seu círculo social.
- Tratar uma mulher em trabalho de parto de forma
agressiva, não empática, grosseira, zombeteira ou de qualquer forma que a faça
se sentir mal pelo tratamento recebido.
- Tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e
nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz.
- Submeter a mulher a procedimentos dolorosos
desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos
pubianos, posição ginecológica com portas abertas.
- Impedir a mulher de se comunicar com o “mundo
exterior”, tirando-lhe a liberdade de telefonar, usar celular, caminhar até a
sala de espera etc.
- Fazer graça ou recriminar por qualquer característica
ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação etc.
- Fazer graça ou recriminar por qualquer comportamento
como gritar, chorar, ter medo, vergonha etc.
- Dar bronca, ameaçar, chantagear ou cometer assédio
moral com qualquer mulher/casal por qualquer decisão que ela possa ter tomado,
quando essa decisão for contra as crenças, fé ou valores morais de qualquer
pessoa da equipe, por exemplo: não ter feito ou ter feito inadequadamente o pré
natal, ter muitos filhos, ser mãe jovem (ou o contrário), ter tido ou tentado
um parto em casa, ter tido ou tentado um parto desassistido, ter tentado ou ter
efetuado um aborto, ter atrasado a ida ao hospital, não ter informado qualquer
dado, seja intencional, seja involuntariamente.
- Fazer qualquer procedimento sem explicar antes o que é,
por que está sendo oferecido e, acima de tudo, SEM PEDIR PERMISSÃO.
- Submeter a mulher a mais de um exame de toque (ainda
assim quando estritamente necessário), especialmente por mais de um
profissional, e sem o consentimento, mesmo que para ensino e treinamento de
alunos.
- Dar hormônios para tornar mais rápido e intenso um
trabalho de parto que está evoluindo normalmente.
- Cortar a vagina (episiotomia) da mulher quando não há
necessidade (discute-se a real necessidade em mais que 5 a 10% dos partos).
- Dar um ponto na sutura final da vagina de forma a
deixá-la menor e mais apertada para aumentar o prazer do cônjuge (“ponto do
marido”).
- Subir na barriga da mulher para expulsar o feto
(manobra de Kristeler).
- Submeter a mulher e/ou o bebê a procedimentos feitos
exclusivamente para treinar estudantes e residentes.
- Permitir a entrada de pessoas estranhas ao atendimento
para “ver o parto”, quer sejam estudantes, residentes ou profissionais de
saúde, principalmente sem o consentimento prévio da mulher e de seu
acompanhante com a chance clara e justa de dizer não.
- Fazer uma mulher acreditar que precisa de uma cesariana
quando ela não precisa, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não
comprovados (o bebê é grande, a bacia é pequena, o cordão está enrolado).
- Submeter uma mulher a uma cesariana desnecessária, sem
a devida explicação dos riscos que ela e seu bebê estão correndo (complicações
da cesárea, da gravidez subsequente, risco de prematuridade do bebê,
complicações a médio e longo prazo para mãe e bebê).
- Submeter bebês saudáveis à aspiração de rotina,
injeções e procedimentos na primeira hora de vida, antes que tenham sido
colocados em contato pele a pele e de terem tido a chance de mamar.
- Separar bebês saudáveis de suas mães sem necessidade
clínica.
Se você, mulher, foi submetida a qualquer um desses atos
de violência, denuncie. Não permita que a violência se perpetue. Será
necessário que milhares de mulheres se ergam e digam basta, até que as mulheres
parem de sofrer. O parto é um momento de alegria, de prazer. A dor fisiológica
é suportável. Mas a dor da violência, essa pode se tornar insuportável e deixar
profundas marcas.
Para denunciar:
1) Exija seu prontuário no hospital (ele é um documento
seu, que fica depositado no hospital, mas as cópias devem ser entregues sem
questionamento e custos).
2) Escreva uma carta contando em detalhes que tipo de
violência você sofreu e como se sentiu.
—> Se o seu parto foi no SUS, envie a carta para a
Ouvidoria do Hospital com cópia para a Diretoria Clínica, para a Secretaria
Municipal de Saúde e para a Secretaria Estadual de Saúde.
—> Se o seu parto foi em hospital da rede privada,
envie sua carta para a Diretoria Clínica do Hospital, com cópia para a
Diretoria do seu Plano de Saúde, para a ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar) e para as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde. Existem
outras instâncias de denúncia, dependendo da gravidade da violência recebida,
mas um advogado deveria ser consultado.
(1 de março de 2013)