Não sou mulher, não sou médico, mas como pai de dois
filhos nascidos de parto normal (o segundo, aliás, de parto natural) vou entrar
no mérito da cesariana vs parto normal. Até porque não se trata apenas de um
debate de saúde. Recentemente o colunista da Veja, Rodrigo Constantino publicou
uma coluna dedicada ao tema
(http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/saude/e-preciso-fazer-uma-cesariana-para-extirpar-o-comunismo-da-fiocruz/).
Nesta coluna o autor além de deferir ataques à Fiocruz, divulga trechos de uma
suposta carta da Associação de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro
também questionando a fundação e defendendo o altíssimo índice na realização de
cesarianas no Brasil.
Por parte da Fiocruz, queria deixar claro, até mesmo como
trabalhador da Fundação, que temos um espaço aberto e plural de pesquisa, que
tem como intuito a promoção da saúde, o desenvolvimento social, como toda instituição
pública relacionada à pesquisa deveria ser. O nosso histórico na área de luta
contra as desigualdades sociais, a qualidade de vida da população brasileira e
em defesa do Sistema Único de Saúde nos coloca hoje como a mais destacada
instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina. Ao se tratar,
da questão da saúde pública, e, mais especialmente a saúde da mulher, tão cara
nos tempos atuais onde ainda encontramos a questão de gênero pouco debatida, a
Fiocruz tem caminhado para suprir esta disparidade.
Trabalha-se com o imaginário na saúde, hoje, de forma
invertida. Quando tratamos a saúde da mulher durante a gestação e na hora do
parto, essa inversão fica ainda mais evidente. Quantas mulheres, grávidas,
iniciam o seu pré-natal dispostas a fazer o parto normal, a parir, e são
convencidas ao longo dos meses a fazer a cesariana? Afinal, a quem interessa as
cesarianas?
As mulheres têm, sim, direito de escolher. Seus corpos,
suas regras. Mas para isso precisam estar munidas de informação e as
instituições de saúde necessitam estar preparadas para assistir às mulheres em
suas escolhas. Portanto, não podemos ignorar o que as corporações médicas têm
feito desse assunto. A falta de informação, ou a informação manipulada pelas
instituições de saúde têm grande responsabilidade nisso.
Há indicações claras, complicações na gravidez e no parto
para a realização de cesariana. Temos que ser responsáveis com isso. Mas, a
quem interessam a cesarianas? Recentemente, a Fiocruz divulgou a pesquisa
“Nascer no Brasil”. Os resultados mostram que o número de cesarianas aumentou
quase quatro vezes desde a década de 1970, atingindo 52% do total de partos em
2010. Na rede privada, o número é impressionante: 88%. Impressionante, aliás,
quando se sabe que a Organização Mundial de Saúde sugere que esse número seja,
no máximo de 15%! A OMS realiza estudos mundiais para chegar a esse percentual.
Assim como, no Brasil, a Fiocruz, que é renomada instituição de pesquisa,
independente e de referência nacional e internacional em saúde pública,
dedicou-se, tecnicamente, a conhecer os motivos que levam as gestantes a se
submeterem à cesariana, o quadro de nascimentos prematuros no país e as
consequências dos tipos de parto - normal e cesariana - sobre a saúde da mulher
e do recém-nascido.
Aprendi, quando estava grávido, no mundo de gestantes,
puérperas, doulas, parteiras, filhos e médicos que circular de cordão (cordão
umbilical enrolado no pescoço do bebê) não é motivo para cesariana; que a
anestesia e outras intervenções têm seus prós mas também seus contras; que o
bebê dá os sinais de que está pronto para nascer e que não deve ser arrancado
da barriga se não há indicações clínicas para isso... E vivenciei, com minha
companheira e meus filhos, a diferença entre um parto normal com intervenções e
um parto natural, com o bebê vindo ao mundo da forma natural, humana, como deve
ser. Não senti as dores do parto, mas via nas expressões dela que não eram
fáceis. E vi na força dela, na bravura dela e dos bebês que vir ao mundo deve
ser assim. O parto é normal, nascer é normal, não é um ato cirúrgico.
A mim interessa o parto normal, sem a violência que
muitas vezes é cometida contra mães e bebês, sem a lógica hospitalizante, fria
e de consumo em saúde que hoje as corporações médicas, o complexo
médico-hospitalar e essa sociedade injusta e desigual impõem.
Flavio Serafini é professor da Escola Politécnica de
Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV-Fiocruz)