fonte: http://www.jakobi.com.br/partohumanizado.htm
Veio o saber médico e, em nome da defesa da vida e da ausência da dor, se apossou deste processo natural.
A família insegura e despreparada fica à mercê desse saber. Temos dificuldade para entender a razão desta cultura que transformou o nascer num ato tão médico e mecânico. Não interprete que somos contra os grandes avanços da tecnologia médica.
A gestante é tratada como "paciente", ou seja, submetem-se a vários exames e diagnósticos, permanecem nas filas dos consultórios e recebem receitas e remédios. Na hora do parto, a conduta médica continua prevalecendo com rotinas hospitalares rígidas, que acabam inibindo o processo natural e fisiológico, levando a inúmeras cesáreas e partos induzidos. E o pai permanece isolado desse processo, como se não tivesse nada a ver com isso.
Nos hospitais privados ainda prevalece um pacto que mistura medo da dor com interesses dos profissionais e da instituição que termina numa cesárea. Na rede pública, ainda vigora um quase desprezo pela gestante.
Sozinha, assustada, ela é atendida por profissionais anônimos atrás de máscaras que não dizem o nome nem esboçam um gesto amistoso. Tanto nos hospitais cinco estrelas como nas maternidades de periferia, a paciente e os familiares são os últimos a serem ouvidos.
O parto é um processo natural, nascer é um ato natural e ecológico. É um caminho de transformação, de amor, de vencer os medos, e de dar à luz uma nova era. Por estar em seu habitat natural, vivendo intuitivamente, a maioria das espécies mamíferas nasce sem maiores problemas. Embora os mecanismos do parto do animal mamífero sejam diferentes do ser humano (porque o tamanho do cérebro nos animais é menor em relação ao do corpo), existe uma semelhança. Como seres urbanos e humanos, colocamo-nos distantes dessa natureza de bicho a que pertencemos.
As mulheres modernas estão distantes do seu instinto maternal animal.
O parto, um momento da vida sexual e afetiva, um ritual de passagem e de crescimento para o ser humano, de ambos os sexos, tem sido reduzido a uma simples "ação médica" em nossa sociedade contemporânea. O ideal seria que todas as mulheres tivessem oportunidade de viver a gestação e o parto como parte de sua vida afetiva e sexual, dispondo de recursos médicos quando necessário e, ao mesmo tempo, podendo estar em contato com a natureza verdadeira do ato de dar à luz.
O parto deve ser natural, o mais espontâneo possível, com um mínimo de sofisticação na sua assistência, com o máximo de consciência e de adestramento técnico do profissional que o assiste. A melhor maneira de seguir um parto é observá-lo, sem interferir no seu andamento.
De mãe para filhas as parteiras transmitem um ensinamento valioso: para uma mulher em trabalho de parto, o mais precioso é alguém que segure sua mão e que não tenha pressa. A parturiente é quem melhor presente a hora, identifica os movimentos e sabe a melhor posição. "Quem faz nascer é a mãe mesmo", disse uma das parteiras mais antigas do Amapá. Essas regras simples são de parteiras tradicionais que aparam os mais de trezentos mil bebês que nascem por ano fora dos hospitais.
O nome de "aparadeiras", conquanto seja usado pejorativamente para qualificar as curiosas, em nada as deve diminuir, pois caracteriza sua atuação: a de aparar a criança que nasce sozinha.
Observando os dados de uma favela de São Paulo, cujos partos são assistidos por uma parteira, teremos um bom exemplo de como nascer é um ato natural para as mulheres de gestação de baixo risco. Ali, as complicações e cesáreas somam 3%, as mulheres não são isoladas, não se usam medicamentos e o índice de episiotomia é de 17%.
Na rede de hospitais privados, o índice de cesárea chega a 70% e, na pública 40%. A episiotomia chega a 100% nos hospitais convencionais quando se trata do primeiro filho.
O resgate da forma de nascer, da transformação do nascimento, tão essencial e necessário, precisa ser uma iniciativa feminina e da própria classe médica. No Brasil isto já vem acontecendo, os professores Galba Araújo, Moysés e Claudio Paciornik, Fernando Estelita Lins, Hugo Sabatino, Adailton Salvatore Meira, Maria Tereza Maldonado, Emerson Godoy c. Machado, Maria Celia Del Valle, Lívia Penna, entre outros, têm trabalhado, pesquisado e escrito sobre a gestação e o parto como
momentos de iniciação que deveriam ser tratados de forma especial e diferenciada. Muitas parturientes e mulheres anônimas têm procurado formas alternativas, naturais e humanizadas para terem seus filhos longe das maternidades, em suas próprias casas, sob o cuidado das parteiras tradicionais, mas são ainda minoria.
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