quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Blogagem coletiva – Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher



Porque NÃO é normal ter que escolher entre um parto normal traumatizante e uma cesariana.
A humanização do atendimento é DEVER da equipe obstétrica e DIREITO da mulher.

Leia abaixo na íntegra o post da Nanda no blog MAMÍFERAS sobre a Campanha da Blogagem coletivaDia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher.

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Autora: Nanda
Como a Kalu falou ontem, no dia 25 de novembro é comemorado o Dia Internacional da Não-Violência Contra a Mulher. Lá no Blogueiras Feministas tem um post bacana, esclarecendo o motivo da data, outras datas importantes e ações online que estão sendo feitas para dar visibilidade à causa. Infelizmente, como a Tata já colocou aqui em outra ocasião, são poucas as feministas que conseguem fazer o elo entre as lutas mamíferas, dentre as quais a luta pelo direito de parir dignamente – que é uma luta pelo direito ao próprio corpo – e o feminismo. O feminismo luta pela igualdade de direitos, e não pela dominação feminina, subjugando os homens. E nenhum homem sofre os maus-tratos que as mulheres sofrem em um atendimento hospitalar.

A violência institucional é uma das marcas mais fortes do atendimento obstétrico no Brasil. Seja em hospitais particulares ou públicos, as agressões ultrapassam o limiar físico para chegar ao psicológico. Acontece quando uma mulher, já privada de seu corpo sem pelos, sem fezes, é privada de sua voz. A vocalização, auxílio importante para a fase expulsiva do parto, é calada com desdém: “Na hora de fazer não gritou.”, é o lugar-comum da equipe obstétrica. Em vez de obedecer seu corpo, a mulher deve obedecer o comando médico: “Faz força, mãe!”

Isso tudo chega ao ápice quando lemos notícias como as que dizem que as grávidas do sistema carcerário de São Paulo são obrigadas a dar à luz algemadas. A privação da movimentação é repetida na cesariana, quando a mulher é sedada e presa com correias à mesa de cirurgia. Também repetida quando a ocitocina sintética – o sorinho - é ministrada indiscriminadamente. Mas nada se compara à estigmatização que as detentas vêm sofrendo.

E sabe o que é o pior? Os leitores da matéria corroboram a prática. E dentre esses leitores, muitas mulheres defendendo. São as mesmas pessoas que acham que mulher que sai na rua com a roupa curta tem mais é que ser estuprada, e de repente, são as mesmas pessoas que acham que mulher que engravidou e ainda por cima está no SUS (que é de todo mundo e de ninguém), tem mais é que se resignar com o tratamento recebido e dar graças à deus por sair com o filho vivo.

O parto é a confirmação de um ato pecaminoso. Diz a bíblia que as dores do parto são consequências da desobediência de Adão e Eva. É quase compreensível essa visão agressiva que é lugar comum no atendimento obstétrico de uma sociedade extremamente religiosa. É compreensível, mas não é aceitável. Assim como não é aceitável dizer que deus criou o homem e a mulher diferentes, por isso seus direitos têm que ser diferentes.

No SUS, é comum ouvir frases como “Não grita não, mãezinha, que ano que vem você tá aqui de novo”. No atendimento particular, as mulheres que insistem em um parto normal livre de intervenções são chamadas nos bastidores de “frescas” ou “afetadas”. Perceber que o erro nesse caso é do atendimento, e não da mulher, é o primeiro passo para começar a combater a violência cometida contra elas.

A Luana, leitora do Mamíferas, comentou que seu médico lhe deu duas opções: uma cesariana ou uma episiotomia. E ela não está sozinha: a maioria dos médicos dita parâmetros totalmente infudados para fazer valer as suas vontades. Na blogosfera internacional existe o termo Birth Rape para designar os maus-tratos sofridos pelas parturientes nas mãos da equipe obstétrica. Se lhe parece um pouco agressiva a comparação com um estupro, imagine que você não quer fazer sexo – de jeito nenhum -, então seu marido lhe dá duas opções: anal ou oral. E aí? Você tem que escolher uma dessas duas opções?

Agora veja um ultimato desses recebido na situação da parturiente, fragilizada, em uma situação onde ela precisa se entregar à si mesma, mas está sendo obrigada a se entregar ao médico. E o pior: a vida da criança está sendo colocada em jogo, mesmo que não esteja em risco. Como isso é justo? Como isso pode ser considerado normal? Como podemos argumentar que a equipe obstétrica não tem nenhuma culpa no aumento dos índices da cesariana, se estão oferecendo a cruz ou a espada?

É extremamente importante fazer com que as mulheres percebam que elas não podem ser tratadas desse jeito. Difícil, uma vez que a auto-estima da maioria esmagadora das mulheres no Brasil é formada por músicas que as chamam de cachorras e homens que a tratam pior do que aos seus animas de estimação. O que esperar d@ médic@? Principalmente quando essa forma de violência já se tornou rotineira? Por isso estamos organizando, em parceria com o blog Parto no Brasil, essa blogagem coletiva. Para que você use do seu espaço pessoal, seja ele blog, Facebook, Twitter ou qualquer espaço virtual utilizado por você, para disseminar a consciência de que o atendimento oferecido para as gestantes brasileiras não é normal. E não pode ser aceito. Sinta-se à vontade para divulgar a imagem do post em qualquer espaço que julgar adequado.

Se você vivenciou alguma história de violência obstétrica durante seu parto e sente vontade de compartilha-la, a Ligia Moreira, do Cientista que Virou Mãe, está fazendo seu doutorado sobre a percepção das mulheres sobre a violência cometida contra elas no pré-parto, parto e puerpério, e está recolhendo depoimentos sobre isso. Além de mandar pra ela, conta pra gente aqui nos comentários. Conta pro mundo no seu blog. E quer você tenha sido violentada ou não, ajude a espalhar a ideia de que a realidade da obstetrícia no Brasil (não só nos índices) precisa começar a mudar. E essa mudança não deve ser oferecendo cesarianas na rede pública, mas sim, oferecendo um atendimento digno em qualquer lugar.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Fator econômico se sobrepõe ao clínico na opção pelos partos cesáreos, revela dissertação do Cedeplar

terça-feira, 22 de novembro de 2011, às 9h10
Fonte: http://www.ufmg.br/online/arquivos/021795.shtml

As variáveis clínicas que justificam o parto cesáreo – riscos para o bebê ou para a mãe – não têm prevalecido na escolha desse procedimento, que cada vez mais substitui o parto normal nos hospitais brasileiros. A conclusão é da economista Tabi Thuler Santos, que defendeu recentemente a dissertação Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil. Segundo o estudo, fatores não clínicos, como a renda da parturiente, parecem definir a escolha.

Enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) considera aceitável o percentual de 15% de cesarianas no total de partos, o Brasil registra atualmente em torno de 85% no setor privado e cerca de 35% nos hospitais públicos. Na base de dados analisada pela pesquisadora – um plano de saúde empresarial do estado de São Paulo, no período de 2004 a 2009 –, as cesarianas ultrapassaram os 90%.

Como na maioria das vezes o médico obstetra recebe maior remuneração na realização de parto cesáreo, Tabi Thuler procurou investigar se a vantagem financeira de um tipo de procedimento para o outro tem importância na decisão do médico por realizar cesariana. Segundo a autora, o trabalho é inédito no país por utilizar arcabouço econométrico. “Embora haja muitos estudos médicos sobre o tema, não há pesquisas com esse viés econômico”, afirma, ao lembrar que o principal limitador para esse tipo de pesquisa é a falta de dados. “Minha dissertação só foi possível porque um plano de saúde abriu, pela primeira vez, seu banco de dados para o grupo de pesquisa da minha orientadora, professora Mônica Viegas Andrade”, diz.

O trabalho de Tabi Thuler avalia, por meio de modelo empírico de regressão logística, o impacto do diferencial de remuneração do médico sobre a probabilidade de o parto ser cesáreo. “Como não existem informações sobre os valores recebidos pelos médicos analisados, a estratégia utilizada foi a construção de uma proxy, ou aproximação”, comenta a pesquisadora. Um dos resultados da pesquisa é que a demanda induzida cresce com o aumento do diferencial de remuneração entre os dois tipos de parto.

Traço cultural
“O médico detém mais informações sobre a situação do que o paciente, por isso pode induzir escolhas”, lembra a economista. Tal poder de indução se amplia com a prática – específica do Brasil, segundo ela – de a mulher preferir o parto com o obstetra que a acompanhou no pré-natal.

Outro traço cultural que influencia na escolha, de acordo com Tabi Thuler, é a crença de que o parto cesáreo tem resultado melhor para a saúde. “A ideia é que, por ser um procedimento cirúrgico, o médico teria maior controle sobre a situação, o que traria melhor resultado para a mãe e para o bebê, mas isso não é verdade”, diz ela. Artigos e estudos demonstram que, ao contrário, cesarianas aumentam o uso de anti-inflamatórios pós-parto, o tempo do bebê na incubadora e até as taxas de mortalidade.

Com relação às variáveis que se mostraram importantes na escolha, o estudo apontou a renda da parturiente; o diferencial de remuneração, ou seja, quanto maior a remuneração da cesariana perante o parto normal, maior a probabilidade de o parto ser cesáreo; e o fato de o hospital estar em uma capital, o que pode estar relacionado à complexidade da instituição ou à urbanização, mas o estudo não teve elementos para esclarecer o fato.

Mais estudos
Aumentar o valor pago pelo parto normal ou remunerar por hora de trabalho não parece ser a solução, pois poderia gerar problema contrário, nos casos em que a mulher de fato precise da cesariana, e o obstetra opte pelo procedimento mais caro. Além disso, nem sempre há uma relação direta entre remuneração e escolha do método a ser adotado. “Há outros motivos, como o custo de oportunidade, isto é, enquanto realiza o parto, o médico abre mão de fazer outras coisas, como uma consulta ou até mesmo descansar. E o parto normal tende a ser mais longo”, exemplifica a pesquisadora.

Outro incentivo às cesarianas é o fato de poderem ser agendadas, o que exclui imprevistos como o atendimento em finais de semana e de madrugada. “Tentamos verificar se tendem a aumentar em períodos como final e meio do ano, mas não conseguimos comprovar tal relação”, diz a economista.

Ruim para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para os planos privados por elevar os custos hospitalares, bem como para pacientes, por aumentar desnecessariamente os riscos, o número exagerado de partos cesáreos ainda precisa ser objeto de outros estudos, afirma Tabi Thuler. “Este estudo propiciará a realização de novas pesquisas”, diz a economista.

(Boletim UFMG, edição 1758)