"Muitas parteiras exibem seus currículos com nítida
altivez. Seus partos são contabilizados em múltiplos de mil (da mesma forma
como alguns médicos fazem), para falar de uma experiência quase nunca
comprovada objetivamente, mas sempre assumida como verdadeira. Falam de uma
parteria pouco profissional (no sentido econômico) e cheia de glórias. Arrancam
lágrimas de nossos olhos ao contar de sua dedicação ao trabalho e do amor que
nutrem pelas mulheres, mas não falam das óbvias falhas que existem em um
sistema baseado no aprendizado direto, absorvendo os conhecimentos de outra
parteira. Seus discursos são cheios de palavras de ordem e nostalgia, mas
carecem de propostas viáveis para salvar um modelo que está nitidamente
desaparecendo.
Algumas vozes importantes da parteria insistem no modelo
de aprendizado direto. Esse é uma característica muito clara de algumas
lideranças, e me parece carecer de uma profundidade ideológica que vise à
preservação do modelo, ao preocupar-se apenas em valorizar a experiência
individual de algumas profissionais. Por mais que possamos admitir a
importância do aprendizado direto e informal, ele está fadado a desaparecer, da
mesma maneira como ocorreu com todas as outras profissões que foram sugadas
pelo sistema educacional formal. Não me parece possível imaginar que a parteria
possa fugir dessa regra e apresentar uma alternativa diferente.
As mesmas forças que desembocaram na reprodução sexual
para a manutenção da vida operam na formação dos profissionais das diferentes
especialidades humanas. Essa estratégia facilita a produção de novas
variabilidades em organismos que se encontram com frequentes desafios do meio
ambiente (Wenda Trevathan, Human Birth – Foundations of Human Behavior, Aldine
de Gruitier, N. York, 1897). Por essa razão, ela se sobrepôs à cissiparidade
(divisão celular simples) no curso do processo de evolução. As parteiras
tradicionais resultam de um processo de clonagem das suas mestras, o que lhes
oferece um treinamento por contiguidade por vezes intenso, mas carente de
variabilidade. As parteiras assim formadas aprendem as virtudes, mas tendem a
manter os defeitos de suas mentoras. A universalidade da aprendizagem, mesmo
com o custo da especialização e fragmentação do saber, produz uma maior
disseminação do conhecimento entre vários atores, da mesma forma que a
reprodução sexuada oferece a mistura adequada para a diversificação genética,
que protege as espécies das desgraças e tragédias que o meio ambiente nos
expõe. Inserir a parteria no ensino formal é um destino inquestionável, pois,
além das virtudes apontadas acima, pode oferecer um sistema de controle social
sobre o trabalho dessas profissionais, através de conselhos e sindicatos. O fim
da parteria por aprendizado direto, como ainda é o padrão em muitos lugares
pobres do mundo, é inevitável. Ocorreu o mesmo com os médicos, os engenheiros,
os advogados e os marceneiros. Temos, entretanto, o dever de resguardar as
parteiras tradicionais existentes e protegê-las, ao mesmo tempo em que
investimos em uma formação profissional consistente, forte e centrada em princípios
humanistas."
[Do livro "Entre as Orelhas - Histórias de
Parto", capítulo "Banquete da Nostalgia", de Ric Jones]
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