terça-feira, 19 de junho de 2012

Sobre Parteria Tradicional e seus Desafios...




"Muitas parteiras exibem seus currículos com nítida altivez. Seus partos são contabilizados em múltiplos de mil (da mesma forma como alguns médicos fazem), para falar de uma experiência quase nunca comprovada objetivamente, mas sempre assumida como verdadeira. Falam de uma parteria pouco profissional (no sentido econômico) e cheia de glórias. Arrancam lágrimas de nossos olhos ao contar de sua dedicação ao trabalho e do amor que nutrem pelas mulheres, mas não falam das óbvias falhas que existem em um sistema baseado no aprendizado direto, absorvendo os conhecimentos de outra parteira. Seus discursos são cheios de palavras de ordem e nostalgia, mas carecem de propostas viáveis para salvar um modelo que está nitidamente desaparecendo.

Algumas vozes importantes da parteria insistem no modelo de aprendizado direto. Esse é uma característica muito clara de algumas lideranças, e me parece carecer de uma profundidade ideológica que vise à preservação do modelo, ao preocupar-se apenas em valorizar a experiência individual de algumas profissionais. Por mais que possamos admitir a importância do aprendizado direto e informal, ele está fadado a desaparecer, da mesma maneira como ocorreu com todas as outras profissões que foram sugadas pelo sistema educacional formal. Não me parece possível imaginar que a parteria possa fugir dessa regra e apresentar uma alternativa diferente.

As mesmas forças que desembocaram na reprodução sexual para a manutenção da vida operam na formação dos profissionais das diferentes especialidades humanas. Essa estratégia facilita a produção de novas variabilidades em organismos que se encontram com frequentes desafios do meio ambiente (Wenda Trevathan, Human Birth – Foundations of Human Behavior, Aldine de Gruitier, N. York, 1897). Por essa razão, ela se sobrepôs à cissiparidade (divisão celular simples) no curso do processo de evolução. As parteiras tradicionais resultam de um processo de clonagem das suas mestras, o que lhes oferece um treinamento por contiguidade por vezes intenso, mas carente de variabilidade. As parteiras assim formadas aprendem as virtudes, mas tendem a manter os defeitos de suas mentoras. A universalidade da aprendizagem, mesmo com o custo da especialização e fragmentação do saber, produz uma maior disseminação do conhecimento entre vários atores, da mesma forma que a reprodução sexuada oferece a mistura adequada para a diversificação genética, que protege as espécies das desgraças e tragédias que o meio ambiente nos expõe. Inserir a parteria no ensino formal é um destino inquestionável, pois, além das virtudes apontadas acima, pode oferecer um sistema de controle social sobre o trabalho dessas profissionais, através de conselhos e sindicatos. O fim da parteria por aprendizado direto, como ainda é o padrão em muitos lugares pobres do mundo, é inevitável. Ocorreu o mesmo com os médicos, os engenheiros, os advogados e os marceneiros. Temos, entretanto, o dever de resguardar as parteiras tradicionais existentes e protegê-las, ao mesmo tempo em que investimos em uma formação profissional consistente, forte e centrada em princípios humanistas."

[Do livro "Entre as Orelhas - Histórias de Parto", capítulo "Banquete da Nostalgia", de Ric Jones]

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