Fonte: Guia Daqui Perdizes Pompéia
Dar à luz um filho nos dias de hoje é uma tarefa heróica. Será que a maioria das mulheres está preparada? Preocupada com a falta de informação e o aumento do número de cesáreas nos últimos anos, a bióloga e educadora perinatal, Ana Cristina Duarte, criou um curso para gestantes onde são abordados temas como os tipos de partos, as vantagens e desvantagens de cada um, o que a mulher precisa saber para ter uma gestação tranqüila e quais os cuidados com o bebê.
Para Ana Cristina, a mulher deve tomar posse do seu parto, um processo natural da vida. É preciso lembrar que hoje em dia o parto se tornou um assunto exclusivamente médico-hospitalar. A mulher quase não é ouvida na hora de escolher entre o parto normal e a cesárea. As explicações sobre o que vai acontecer são reticentes, diz.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), nos hospitais privados brasileiros as taxas de cesariana chagam a 90% enquanto a taxa recomendada é de 15%. Além disso, as taxas de mortalidade materna e infantil no Brasil estão entre as maiores do mundo. Ana Cristina, no site www.amigasdoparto.com.br, escreve que o parto deveria ser um evento médico somente nas situações de risco, quando a técnica e a intervenção se tornam necessárias.
A experiência de ser mãe é profundamente transformadora. É hora da mulher questionar a cultura atual, que considera a gestação, o parto, a amamentação e a maternagem como pequenos complementos para a mulher moderna. Confira entrevista.
Por que educar as mulheres para o parto?
Na cultura brasileira, acredita-se que quem prepara a mulher para o parto é o médico obstetra. Na verdade, o obstetra é um técnico que atende partos. Preferencialmente, ele não deveria fazer nada, só intervir no caso de algum problema. Mulheres de classe média têm 75% de chances de fazer uma cesárea e 25% de fazer parto normal. Não se faz mais parto normal porque é demorado. Entre ficar 12h no hospital fazendo um parto normal e 45 minutos fazendo uma cesárea, é mais prático fazer a cesárea. Tenho dois papéis diferentes: conscientizar sobre o que está acontecendo no Brasil e explicar quais as vantagens do parto normal, como é o processo, se é demorado ou rápido, a dor, o que é a anestesia, o que é cesárea, como é o pós-parto, quais os cuidados com o bebê, banho, limpeza do umbigo, fraldas, alergia, tudo isso.
O curso é ministrado em maternidades?
Não, são grupos particulares. Atendo em Moema e vou começar a atender em Perdizes.
Quantas pessoas participam?
Em média cinco casais. São grupos pequenos porque as pessoas acabam se envolvendo e é importante criar um ambiente onde possam trocar dicas, fazer exercícios... Antigamente isso acontecia mais. As famílias eram maiores, havia duas ou mais mulheres grávidas na mesma família. Hoje, temos um núcleo familiar super pequeno e urbano; é difícil as mulheres terem contato com outras mulheres na mesma situação.
O aumento do número de cesáreas seria por que as mulheres têm medo da dor no parto normal?
Foi feita uma pesquisa nas grandes capitais que mostrou que 80% das mulheres preferem o parto normal, mas na hora fazem cesárea porque o médico induziu. Algumas querem mesmo cesárea porque têm medo da dor, uma bobagem porque hoje em dia tem anestesia e, além disso, ela não vai sofrer no pós-parto.
Anestesia no parto normal?
É uma anestesia leve para amenizar a dor no ventre e nas pernas, mas a movimentação continua. A mulher pode se sentar, mudar de posição, fazer força... É melhor do que uma cesárea, que é uma cirurgia e oferece riscos maiores. O Ministério da Saúde aponta que o risco de mortalidade da mulher é quatro vezes maior na cesárea. E para o bebê o risco é dez vezes maior. As UTIs estão cheias de bebês de cesárea porque eles nascem com desconforto respiratório, por exemplo.
Quais as desvantagens de uma cesárea, além de ser uma cirurgia?
Depois de ver filmes em que mostram os bebês sendo tirado de uma cesárea e nascendo de parto normal, vi que não tem comparação! A cesárea é violenta. É como se o bebê fosse arrancado de dentro da mãe. Por ser uma cirurgia, têm que ser rápida. O bebê é puxado pela cabeça, dá um tranco de um lado, puxa de outro e tira o bebê. Corta o cordão umbilical, quer dizer, não dá tempo do pulmão dele se adaptar à respiração e o suprimento de ar é cortado imediatamente. Ele é levado para uma sala ou para um berço no canto da sala de cirurgia; colocam cânulas no nariz dele para aspirar o líquido amniótico que está na traquéia, ou seja, é tudo muito violento e doloroso para o bebê.
No parto normal as contrações vão preparando o bebê, massageiam o corpo todo acordando os reflexos. Quando ele passa pelo canal vaginal, é todo apertadinho, o líquido é esgotado do pulmão dele pela pressão e, quando a cabeça sai, vemos sair junto o líquido amniótico. O bebê sai com o pulmão livre para poder respirar. Não é preciso cortar rapidamente o cordão, pode esperar parar de pulsar. É o que chamamos de parto humanizado, um outro conceito de nascimento, mais calmo, suave, e tudo isso é possível também com anestesia. A anestesia pode trazer algumas complicações e interromper o trabalho de parto, mas há uma chance muito menor de acontecer do que as problemas causados em uma cesárea. É preciso pesar pós e contras, a mulher tem que saber a verdade. De fato a cesárea é segura, a chance de morrer é cada vez menor. Mas continua sendo uma cirurgia. E é engraçado como as mulheres marcam a cesárea, fazem tranqüilamente, mas adiam uma cirurgia de hérnia durante dez anos com medo de serem operadas! Isso é totalmente cultural. Não é que a mulher não possa escolher uma cesárea, ela tem o direito de escolher. Assim como acho que é um direito da mulher escolher o aborto. Se eu faria o aborto? Provavelmente não. Mas escolher é um direito. E a mulher tem o direito de escolher entre o parto normal e a cesárea.
Você é bióloga, como começou a trabalhar com gestantes?
Tive dois filhos. A Júlia, que está com 5 anos, nasceu de uma cesárea totalmente desnecessária, o que para mim foi muito chocante pois fui induzida pelo médico; e o Henrique, que nasceu dois anos depois, de parto normal. Procurei muito por um médico que aceitasse fazer parto normal depois de uma cesárea, mesmo com todas as indicações de que é melhor. Isso mudou totalmente a minha vida. Parir meu filho foi uma experiência muito boa. Foi com anestesia, por uma série de razões, e hoje eu faria sem. Terminou o parto, eu descansei uma hora e levantei. Na cesárea, meu Deus do céu! Não tem comparação! O tempo de recuperação, a depressão pós-parto, a sensação de inadequação, de chegar em casa com um bebê e teoricamente ser mãe, ter que cuidar dele, da casa, do marido, tudo isso estando operada!
Ninguém te fala que você sofreu uma cirurgia, que tem que ficar em recuperação! Todo mundo fala ¿parabéns, mamãe, que legal!. Para a maioria das mulheres é uma sensação de que não vai dar certo! Já o parto normal, por mais que venha aquela tristeza típica do pós-parto, a mulher fisicamente consegue fazer as coisas.
Então, você começou a formar os grupos?
Com outras mães, criamos o site www.amigasdoparto.com.br, sem fins lucrativos, com informações sobre parto, o que está acontecendo no Brasil e indicação de profissionais que fazem mais partos normais do que cesáreas. A nossa briga é para diminuir essa taxa abusiva de cesárea e para melhorar o atendimento ao parto normal, que no Brasil em média, é muito ruim. Nos países desenvolvidos, é difícil entenderem que 90% das mulheres de classe média brasileira fazem cesárea. Outro problema é aquele corte [episiotomia] feito na vagina durante o parto normal. Isso não se usa mais! Há uma campanha mundial para não se fazer partos com esse corte porque ele dificulta a recuperação e traz problemas sexuais para a mulher. Além de ser necessário apenas em casos de sofrimento fetal, o que é exceção no parto normal. Quando o bebê é muito grande, acima de quatro quilos, há necessidade de se fazer a episiotomia para preservar a musculatura da mãe.
E se a criança estiver sentada?
Neste caso, só se for preciso usar o fórceps. Mas no Brasil não se faz parto normal de criança sentada, né? É cesárea! Os médicos não sabem mais fazer, a verdade é essa. A nossa luta é por isso.
Temos outro site que é www.doulas.com.br. As doulas acompanham a gestante até o parto, dão apoio físico e emocional. Na hora do parto ajudamos na respiração, fazemos massagem, incentivamos a ficar mais tempo em casa e não ir tão cedo para a maternidade, porque assim a chance de fazer uma cesárea é maior.
Como é feito o parto de cócoras ou na água?
O parto de cócoras parte do princípio de que a mulher está ativa durante o trabalho de parto. Ela abaixa, levanta, deita, fica de quatro, vai para o chuveiro... A mulher se mexe de acordo com o que acha melhor! Quando chega o período impulsivo, que dura de 15 a 40 minutos em média, é que ela fica de cócoras. E só durante a contração, que dura um minuto. Depois, tem dois ou três minutos de intervalo. Ou seja, a mulher vai agachar cinco ou seis vezes, coisa que podemos fazer a qualquer hora, simulando um parto de cócoras sem que prejudique o períneo, as pernas e a musculatura. Se perguntar a qualquer médico se ele faz parto de cócoras, vai dizer que não somos mais índios! E sim mulheres urbanas, que não trabalham a musculatura. É a primeira desculpa. Mas se a mulher disser que faz yoga, que está acostumada a acocorar, ele vai dizer que nos hospitais não há mais a cadeira para o parto de cócoras. Já o parto na água é super legal, mas os médicos morrem de medo do bebê se afogar!! Isso é meio xarope porque se o bebê estava num ambiente líquido como é que ele vai se afogar? Há crenças absurdas! A água diminui a dor, assim como o calor. Temos uma ligação forte com a água. A mulher fica na banheira e a sensação de dor diminui. O bebê fica menos pesado, a barriga mais leve sobre o colo do útero, o que diminui a pressão. O períneo, essa parte entre a vagina e o ânus, onde cortam durante o parto, fica mais maleável por causa do calor. É um parto geralmente com menos sangue e o bebê nasce no mesmo ambiente em que estava antes. A água tem que estar a 37 graus, a luz baixa e é a mãe que pega a criança e põe no colo.
Essa cadeira é especial?
Não tem nada demais!! É uma cadeira que fica um pouco mais levantada e em várias suítes de parto a mesa é adaptada de modo que a mulher fica quase sentada. Não tem nenhuma dificuldade, mas os médicos não sabem usar. E dá medo...
É preciso confiar no médico?
Sim, e a mulher não pode esquecer que o parto é dela. Não pode entregar nas mãos do médico, é muita responsabilidade e não é justo com ele também. Antes de tudo, a mulher tem que estar informada e buscar as respostas para as questões psicológicas, sociais, afetivas, espirituais e dizer o que quer! Os próprios médicos dizem que é bom lidar com uma mulher que sabe o que quer. Alimentação e exercícios não podem ser resolvidos pelo médico. É preciso elaborar um plano de parto, mostrar que a mulher pode sim se apoderar do seu parto. Sabe o que o médico faz muito bem? Quando a pressão subir, ele saberá o que fazer! Se a mulher desenvolver um diabetes gestacional, eclampsia, ele provavelmente vai saber lidar. Mas enquanto é uma gestação normal, de baixo risco, a mulher pode tanto quanto o médico, não há nada para ser feito, apenas um bom pré-natal que é medir a barriga, a pressão, o peso e ouvir os batimentos cardíacos do bebê. E muita conversa. Só que gente inverteu. Fazemos exames de sangue, morfológico, amniocentese... Mas o médico não toca a gestante e não conversa. Ela chega aos oito meses de gestação perguntando pelo parto e ele diz que está cedo para falar disso, que não dá para saber se será normal ou cesárea. Não é assim! Se a mulher tem uma gravidez sadia, a chance de um parto normal devia ser de 90%.
A mulher com mais de 30 anos pode ter um parto normal?
Se ela conseguiu engravidar, venceu a primeira etapa. Se nenhum problema ocorrer durante a gestação, quer dizer que a mulher está com o corpo apto para parir. Na Holanda, a chance de fazer uma cesárea até os 30 anos é de 6%. Após os 30, é de 8%. A mulher continua tendo chances de fazer um parto normal! O risco da cesárea não é só no momento da cirurgia. Numa gestação seguinte ela pode causar problemas como aderência intra-uterina, rompimento de cicatriz, etc. Os prognósticos de uma mulher que teve parto normal são bem melhores do que de uma que nunca teve porque a bacia já foi testada, a dilatação ocorre mais rapidamente, o colo do útero está mais maleável... Se teve uma cesárea, é totalmente o contrário. E os médicos falam que depois de uma cesárea não se pode fazer parto normal e cortam outro lugar do útero, aumentando mais ainda o risco para a mulher. Até que uma mulher com três ou quatro cesáreas morre na mesa de operação com uma aderência da placenta que penetra na musculatura do útero, causando uma hemorragia. E morre de cesárea. Há que se pensar quando se faz a primeira cesárea. Todo o futuro obstétrico da mulher tem que ser levado em conta e estamos negligenciando isso! Se você entrevistar o diretor de qualquer maternidade de São Paulo e perguntar se aumentou o índice de placenta prévia e placenta aprévia, que são dois problemas muito sérios de gravidez, eles irão dizer que aumentou. Quanto? Dobrou nos últimos anos. E por que? Por causa do abuso da cesárea. Qualquer médico pode confirmar isso. Só que entre o ¿cara¿ perder o jantar, a novela, a lição de casa com os filhos e o cinema com a mulher, e fazer uma cesárea, ele faz a cesárea e vai para casa. O modelo todo está alterado. Exigir de um médico que tem família, dá aulas, presta consultoria, que faz congresso, que ele fique de plantão para fazer um parto que, às vezes, leva até doze horas, não dá certo!
Poucos médicos fazem parto normal?
Há o médico que faz parto normal, prefere e só faz cesárea com uma indicação muito clara, porque sabe que os riscos futuros são comprometedores. Dos partos que faz, 20% são cesáreas. Há poucos médicos desses aqui em São Paulo. Outros fazem parto normal, dizem que preferem parto normal, mas acabam operando para não correr riscos. Este faz 50% de cesáreas. E tem aquele médico que acha que o parto normal é melhor, mas só faz cesárea porque as pacientes pedem ou porque pode acontecer algum problema. Esse médico não vai dizer que é porque ele quer fazer cesárea e eles são maioria.
O parto domiciliar ainda é recomendável?
É, mas o parto domiciliar não é um parto improvisado, tem que ser muito bem planejado. O médico que acompanha leva oxigênio, material de entubação para o bebê, agulhas, bisturis... Só que acaba não usando nada. Como a mulher está na casa dela, não podem ser feitas várias intervenções. Não se pode usar soro, fazer manobras como empurrar a barriga ou usar fórceps. Ou o parto é natural e tranqüilo, ou a mulher deve ser removida para o hospital antes de complicar. Por isso o parto tem que ser planejado; é totalmente diferente de estar em casa, sentir a contração e o bebê nascer. Sendo no hospital ou em casa, o ideal é que mulher fique a maior parte do trabalho de parto em casa. Se ela vai ou não para o hospital quando estiver com dilatação, é uma decisão que vai tomar antes e se preparar isso. Se for ficar em casa, tem que ter todo equipamento a disposição dela e um hospital relativamente perto para uma emergência. Nunca ouvi falar de problemas de parto em casa. Essa é a maior demonstração do poder da mulher. Ela assume o parto, o que quer fazer, quem manda é ela! Por estar em casa não precisa pedir licença para ir ao banheiro, para levantar ou mudar de posição e isso faz o parto ser mais rápido e menos doloroso porque a mulher não está com medo, nem insegura, não está se sentindo ameaçada, num lugar estranho e com pessoas estranhas. É preciso deixar claro que o parto normal não é sofrido como vemos na televisão.
Preparação para o parto.
Curso na Escola Gimbernau.
Rua Caetés, 577, Perdizes.
Telefones 3873-9858 ou 9806-7090.
www.amigasdoparto.com.br / www.doulas.com.br
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