Mesmo contra desejo das futuras mães, médicos insistem na cesariana por comodidade, num fenômeno que virou rotina na rede privada brasileira
José Luís da Conceição/AE
Eliete, com Matheus, seu 2º filho: para ter parto normal, foi preciso trocar de médico
LUCIANA MIRANDA
Apesar de uma gestação normal durar até 42 semanas incompletas, médicos se apressam em marcar a cesárea para a 38.ª. É o começo da frustração das mulheres que querem ter parto normal. O fenômeno virou rotina na rede privada de saúde e, pior, artigo de exportação: o número de cesáreas nos Estados Unidos está aumentando tanto, que obstetras de lá estão interessados em saber como essa mania se desenvolveu por aqui. A explicação, jamais admitida pelos médicos, é uma só: a comodidade de não serem surpreendidos por um parto na madrugada ou no fim de semana.
A história é sempre a mesma. Durante o pré-natal, o médico se resume a dizer sobre o parto normal: "Vamos tentar." Outros dão pistas mais enfáticas, ao afirmar que a cesárea é a melhor opção. Raros, mas existem, são os que desde o começo dizem não fazer parto normal.
Foi o caso da web designer Chrystiane Campos, de 26 anos. Assim que ela disse para o médico que queria fazer parto normal, ele respondeu: "Não faço, porque não dá tempo de eu chegar ao hospital." Como sugestão, ele ofereceu transferir Chrystiane no último mês de gravidez para um colega que fazia.
"Mas em toda consulta ele tentava me dissuadir da idéia do parto normal", conta ela.
No quinto mês de gestação, Chrystiane trocou de médico. Para sua surpresa, esbarrou no mesmo problema. "Percebi que seria cesárea de qualquer jeito."
Ela só conseguiu ter seu bebê de parto normal porque deixou a rede privada de saúde e buscou atendimento na Casa de Parto do Itaim Paulista, do Sistema Único de Saúde (SUS).
Uma semana depois de começar a ser atendida na Casa de Parto, Chrystiane começou a ter contrações. Lara, de 5 meses, nasceu de parto normal, com 3,65 quilos. "De tão boa que foi a experiência, já penso no segundo filho. As mulheres têm de correr atrás de informações sobre parto."
"Desculpas" - É a falta de informação que deixa a mulher vulnerável às decisões do médico. Cordão enrolado no pescoço, bebê muito grande ou muito pequeno e até falta de dilatação antes mesmo de o trabalho de parto começar são alguns argumentos apresentados pelo médico para "justificar" a cesariana. "São desculpas", alerta Andréa Almeida Prado, do Amigas do Parto, grupo que incentiva a humanização do nascimento e o parto normal. "Mas é difícil a mulher perceber que está nas mãos de um cesarista."
A secretária bilíngüe Eliete Rose Del Barco, de 38 anos, passou pelos dois - cesariana e parto normal. "Na primeira gravidez, não queria cesárea, mas o médico alegou que eu não tinha dilatação", lembra. A recuperação pós-parto foi demorada. Por um mês, Eliete sentiu muita dor no abdome.
A segunda gravidez terminou em parto normal, como Eliete queria. Mas para isso foi preciso trocar de médico no fim da gestação. A primeira médica insistia no risco do parto normal provocar ruptura uterina, já que Eliete tinha se submetido à cesárea na primeira gravidez. O segundo explicou que a cesariana prévia reduzia, mas não eliminava, as chances de parto normal.
Matheus, de 5 meses, nasceu num domingo, depois de cinco horas de trabalho de parto.
Cabeça grande - Há 22 dias, a arquiteta Analy Uriarte, de 37 anos, deu à luz Bruna. Além de normal, o parto foi feito em casa, supervisionado por uma enfermeira obstetriz. "Foi a primeira vez que me senti tranqüila. Parece que os médicos não têm experiência com parto normal. Eles estão sempre à procura de um motivo para fazer cesárea."
É o segundo filho de Analy. A primeira gravidez acabou numa cesárea. "Não percebi que a médica faria cesariana de qualquer jeito." Tanto que Analy pagou até uma enfermeira obstetriz indicada pela médica para acompanhar o parto.
Assim que a bolsa estourou, Analy foi para a maternidade. Três horas depois, a médica decidiu fazer cesárea por mais que Analy não quisesse. A desculpa foi o tamanho da cabeça do bebê que, segundo a médica, era muito grande. Só que Teodoro, de 2 anos e meio, não nasceu com cabeça grande.
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/06/22/ger010.html
Anestesia só é necessária em 10% a 20% dos casos
De cada dez partos normais, só um ou dois precisam de anestesia. O limite para usar ou não o recurso é tolerância à dor, que depende da sensibilidade de cada pessoa. Segundo uma escala usada por médicos para avaliar o que o paciente sente, a dor do parto é considerada de moderada a intensa. Crise renal corresponde a dor insuportável.
Há dois tipos de anestesia para parto normal: a peridural e uma combinação de raque com peridural. Ambas atuam da cintura para baixo, reduzindo a sensibilidade à dor. "Essa redução é de 80% a 90%", diz José Geraldo Lopes Ramos, da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
O professor Jorge Kuhn, do Departamento de Obstetrícia da Unifesp, explica que o ideal é que, quando usada, a anestesia seja aplicada só no fim do trabalho de parto, pouco tempo antes de o bebê nascer. Na metade do trabalho de parto, quando as contrações estão mais freqüentes, a parturiente pode receber medicamentos analgésicos que ajudam a controlar a dor.
Mesmo com toda a evolução dos anestésicos, Kuhn esclarece que eles diminuem a evolução das contrações, o que prolonga a duração do trabalho de parto.
Quando isso ocorre, aumentam os riscos de infecção para a mãe e o bebê, bem como uso de fórceps ou até necessidade de cesárea. (L.M.)
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/06/22/ger005.html
Taxa de cesariana é de 70% nos hospitais brasileiros
Recomendação da OMS é de até 15%; método é indicado só quando há risco para mãe ou bebê
Toda mulher saudável, sem gravidez de risco, é candidata ao parto normal. A cesárea tem indicações precisas. Só deve ser usada no que os médicos chamam de situação de risco, quando a vida da mãe ou do bebê está ameaçada.
Para se ter idéia da freqüência com que uma situação de risco ocorre, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que no máximo 15% dos partos sejam cesarianas. Nos hospitais privados brasileiros, a taxa média é de 70%.
"O Brasil é campeão em taxa de cesárea", alerta Jorge Kuhn, professor do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
"Estamos contra o recomendável."
O parto normal tem vantagens para a gestante. A cesárea é uma cirurgia e como tal tem risco de hemorragia e infecção, além de complicações relacionadas à anestesia. O tempo de recuperação pós-parto é de um mês, ante uma semana para o normal.
Para o bebê, o parto normal é a melhor opção. "Distúrbios respiratórios são mais freqüentes em bebês nascidos de cesariana", diz José Geraldo Lopes Ramos, vice-presidente da região sul da Federação Brasileira das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). A explicação é simples: ao passar pelo canal vaginal, o bebê tem seu pulmão pressionado na medida certa para expulsar secreções.
Escolha - A dica para as mulheres que querem ter bebês de parto normal é escolher muito bem o médico. "Converse com ele, pergunte qual a taxa de cesárea dele e do hospital onde será feito o parto", orienta Ramos. Montar um plano de parto é um bom começo. Nele, a mulher descreve tudo o que pretende que seja feito e o que não quer que seja realizado. "Discuta o plano de parto com seu médico", completa Kuhn.
E para quem pensa que parto normal não combina com a mulher de hoje, mais sedentária que a de antigamente, Kuhn tem um recado: "É balela, não tem nenhuma relação." (L.M.)
http://www.estado.estadao.com.br/editorias/2003/06/22/ger008.html
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