quinta-feira, 10 de julho de 2003

Parto Humanizado - Uma questão de atitude: Por Ricardo Herbert Jones

Tudo de realmente importante que aprendi na minha vida aprendi com meus filhos. Sou meio retardadinho pra aprender... meus pais tiveram muitas dificuldades comigo.
Um misto de rebeldia com insubordinação. Minha mãe dizia que se eu batesse a cabeça e rebentasse uma veia nenhum doutor me operaria, por que "não haveria de ter uma britadeira tão forte pra abrir uma cabeça tão dura".
Mas aprendi algumas coisas com meu filhos, vendo a minha imagem nos seus discursos. Filhos são espelhos em que vimos nossos defeitos e algumas virtudes.
Meu filho Lucas é um sábio de 21 anos. Poucas pessoas conseguiram me ensinar tanto quanto ele. Sua postura, sua docilidade, sua capacidade de seduzir através da simpatia e de uma visão positiva diante da vida sempre me comoveram.
Pois ele tem mania de acampar. É um viajante ecológico, que adora explorar lugares novos e diferentes.
Um explorador. Alguém que não se conforma com o que os olhos vêem apenas.
Eu sempre o acompanho, porque sempre é momento de aprender algo novo.
Numa dessas vezes estávamos diante de uma decisão para ser tomada: caminhar ou não os 10 km que nos separavam da cascata do Garapiá, uma linda queda d´água no rio Maquiné, interior do RS. Nosso grupo era composto por uns 10 adolescentes, e mais alguns velhos, como eu, meu irmão Marcus e sua mulher. Existiam várias opiniões discordantes, que apontavam para posições antagônicas. Alguns estavam cansados, outros queriam pescar e tinha gente que queria apenas sentar e descansar.
Todas as posições foram defendidas com ardor e civilidade. Eram argumentos bem firmes defendendo o que o grupo poderia fazer no dia seguinte, mas estávamos longe de um consenso. Após mais de uma hora de debates, e diante da impossibilidade de se conseguir uma unanimidade, Lucas afastou-se do grupo e pegou sua mochila, começando a prepará-la. Perguntei-lhe o que estava fazendo e ele respondeu:
- Não há espaço para consensos aqui. Eu entendo que muitas são as alternativas. Não posso convencer todo mundo a caminhar 10 km para ver uma beleza como aquela. Por outro lado, não vim de tão longe pra deixar isso prá trás. Respeito todos que querem ficar aqui, mas eu vou nem que seja sozinho. Estou arrumando minha mochila porque às 6 horas da manhã ponho o pé na estrada e visitarei a garganta do Garapiá.
Todos ficaram olhando para o Lucas enquanto ele arrumava sua mochila. Sua postura era de serenidade, mas firmeza. Não estava brabo com os outros por não tê-los convencido. Não estava com raiva de ningupém por terem idéias diferentes da sua quanto a diversão ou o valor de conhecer coisas novas. Apenas estava respeitando seu direito de viver a vida como ela lhe parece melhor. Queria que sua diversão fosse compartilhada, mas caso ninguém quisesse isso iria sozinho, valorando sua vontade e sua determinação.
- Lucas. Eu vou contigo, disse eu. Também quero conhecer a cascata. Estou nessa. Pensando bem, vale a pena essa caminhada. Nem estou tão cansado assim...
- Ok, disse seu primo. Também vou. Podemos pescar outra hora.
Em alguns minutos, quase todos decidiram-se a acompanhar o Lucas, com excessão do meu irmão que na viagem de ida ficou com muitas bolhas nos pés, e ficaria cuidando do acampamento.
O que afinal produziu o consenso?
Os argumentos eram adequados para qualquer alternativa. poderíamos ter explorado o local em que estávamos. poderíamos ter pescado ou andado de barco. Porque a discussão racional das múltiplas alternativas não foi suficiente, mas a atitude de Lucas surtiu esse efeito?
A resposta está contida na pergunta: a ATITUDE.
Lucas assumiu uma atitude FIRME em relação ao que iria fazer. Deixou claro para todos que respeitava os posicionamentos, mas que tinha uma idéia muito clara do que ele considerava adequado para ser feito. Arrumou sua mochila como quem escreve um plano de parto e disse: "Aqui está o que quero. Se alguém quiser me seguir, ficarei feliz. Caso contrário, irei sozinho e confiante na minha decisão, porque ela foi sedimentada pelas múltiplas opiniões que eu escutei."
Imaginar que uma família vá concordar, produzir consenso ou falar em uníssono é ingenuidade, em se tratando do nascimento humano.
Na imensa maioria das vezes o que vai nos conduzir é a ATITUDE do cuidador, médico ou parteira, ao nos falar sobre sua experiência e sua idéia sobre o nascimento.
Ou então podemos ser conduzidos pela mesmice das crendices infinitas que nos cercam, apontando para múltiplos lugares e nos deixando tontos, sem jamais conseguir agradar a todos.
Claro que muitas vezes só uma ATITUDE firme e dterminada não é suficiente. Lembrem-se que mesmo a atitude de Lucas não foi suficiente para mobilizar meu irmão, cheio de bolhas nos pés. Ele estava "doente", e precisava mesmo de descanso. Assim também uma grávida com uma afecção verdadeira deve ter sua condição observada e respeitada, principalmente por si mesma.
Atitude...
Quando perguntaram a Robbie se "Humanização do Nascimento" era uma espécie sofisticada de tecnologia aplicada ao nascimento, ela respondeu:
- Não. Humanização do Nascimento é uma atitude, uma postura de respeito à mulher e ao nascimento.

Lucas...
Quem é o pai e quem é o filho?

Ricardo Herbert Jones é obstetra humanizado em Porto Alegre - RS e faz parte da REHUNA

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