quarta-feira, 28 de março de 2012

Indicações reais e fictícias de cesariana

Por: Dra. Melania Amorim
Fonte original: http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html


"A presente lista de indicações de cesariana circula na Internet desde 2005, quando eu publiquei a primeira versão em uma comunidade do Orkut ("Cesárea? Não, obrigada!"), e desde então tem sido amplamente divulgada, crescendo lamentavelmente a cada dia, porque estou sempre me deparando com gestantes querendo esclarecimentos ou mulheres que contam suas próprias histórias ou histórias de amigas.

Recentemente, Ana Cristina Duarte, obstetriz e amiga, fez alguns acréscimos e organizou a lista em ordem alfabética, motivo pelo qual lhe dou os créditos da presente versão. É de domínio público, usem à vontade, mas preferentemente remetendo à fonte, ou seja, Amorim & Duarte (2012), com link para esta página da Web.

Não temos a pretensão de cobrir todas as possíveis indicações de cesariana, apenas começamos a elencar sobretudo as "não indicações" mais frequentes.

Para uma leitura mais aprofundada e baseada em evidências, eu recomendo a série de artigos que publicamos na revista Femina, "Indicações de Cesariana Baseadas em Evidências", em três partes:







Segue a lista (em constante atualização):

INDICAÇÕES REAIS E FICTÍCIAS PARA A CESÁREA

Algumas indicações de cesariana...


REAIS

1) Prolapso de cordão – com dilatação não completa;

2) Descolamento prematuro da placenta com feto vivo – fora do período expulsivo;

3) Placenta prévia parcial ou total (total ou centro-parcial);

4) Apresentação córmica (situação transversa) - durante o trabalho de parto (antes pode ser tentada a versão);

5) Ruptura de vasa praevia;


6) Herpes genital com lesão ativa no momento em que se inicia o trabalho de parto (em algumas diretrizes, somente se for a primoinfecção herpética).


PODEM ACONTECER, PORÉM FREQUENTEMENTE SÃO DIAGNOSTICADAS DE FORMA EQUIVOCADA

1) Desproporção cefalopélvica (o diagnóstico só é possível intraparto, através de partograma e não pode ser antecipado durante a gravidez);

2) Sofrimento fetal agudo (o termo mais correto atualmente é "freqüência cardíaca fetal não-tranqüilizadora", exatamente para evitar diagnósticos equivocados baseados tão-somente em padrões anômalos de freqüência cardíaca fetal);

3) Parada de progressão que não resolve com as medidas habituais (correção da hipoatividade uterina, amniotomia), ultrapassando a linha de ação do partograma.


Nota: o uso do partograma de Friedman é altamente questionável. A curva de evolução do trabalho de parto tem grande variação, recomendando-se atualmente a curva de Zhang, com percentis. Pela grande variação do que é fisiológico, considera-se que não é necessário intervir para apressar um parto quando mãe e bebê estão bem.


SITUAÇÕES ESPECIAIS EM QUE A CONDUTA DEVE SER INDIVIDUALIZADA, CONSIDERANDO-SE AS PECULIARIDADES DE CADA CASO E AS EXPECTATIVAS DA GESTANTE, APÓS INFORMAÇÃO

1) Apresentação pélvica (recomenda-se a versão cefálica externa com 37 semanas mas se não for bem sucedida, discutir riscos e benefícios com as gestantes: o parto pélvico só deve ser tentado com equipe experiente e se for essa a decisão da gestante);

2) Duas ou mais cesáreas anteriores (o risco potencial de uma ruptura uterina – variando de 0,5% - 1% - deve ser pesado contra os riscos de se repetir a cesariana, que variam desde lesão vesical até hemorragia, infecção e maior chance de histerectomia);


3) HIV/AIDS (cesariana eletiva indicada se HIV + com contagem de CD4 baixa ou desconhecida e/ou carga viral acima de 1.000 cópias ou desconhecida); em franco trabalho de parto e na presença de ruptura de membranas, individualizar casos.


Algumas desculpas frequentemente utilizadas pelos profissionais para realizar uma DESNEcesárea (em ordem alfabética)

1.        Abdominoplastia prévia
2.        Aceleração dos batimentos fetais
3.        Adolescência
4.        Ameaça de chuva/temporal na cidade
5.        Anemia falciforme
6.        Ameaça de parto prematuro (?)
7.        Anemia ferropriva
8.        Anemia de qualquer tipo (entendam, gestantes, a cesariana vai agravar a anemia, uma vez que a perda sanguínea é cerca de 500ml no parto normal e 1.000ml na cesariana
9.        Anencefalia
10.      Anticoagulação (uso de warfarin que já deveria estar suspenso a termo, uso de heparina de baixo peso molecular, uso de heparina convencional)
11.      Artéria umbilical única
12.      Asma
13.      Assalto ou outras formas de violência (gestante ou familiar foi vítima de assalto, então o bebê pode ficar estressado)
14.      Acidente Vascular Cerebral (AVC) prévio
15.      Bacia "muito estreita"
16.      Baixa estatura materna
17.      Baixo ganho ponderal materno/mãe de baixo peso
18.      Bebê alto, não encaixado antes do início do trabalho de parto
19.      Bebê profundamente encaixado
20.      Bebê que não encaixa antes do trabalho de parto
21.      Bebê "grande demais" (macrossomia fetal só é diagnosticada se o peso é maior ou igual que 4kg e não indica cesariana, salvo nos casos de diabetes materno com estimativa de peso fetal maior que 4,5kg. Não se justifica ultrassonografia a termo em gestantes de baixo risco para avaliação do peso fetal).
22.      Bebê "pequeno demais"
23.      Bebê engolindo o líquido amniótico
24.      Bebê flagrado apertando o cordão durante a ultrassonografia, o que aparentemente levou a bradicardia
25.      Bilhete ou telefonema do prefeito/secretário de saúde de município próximo – Bilhete de qualquer político
26.      Bolsa rota (o limite de horas é variável, para vários obstetras basta NÃO estar em trabalho de parto quando a bolsa rompe)
27.      Calcificação da sínfise púbica (alegando-se que ocorreria em TODAS as mulheres com mais de 35 anos, impedindo o parto normal)
28.       Candidíase
29.      Cardiopatia (o melhor parto para a maioria das cardiopatas é o vaginal)
30.      Cegueira materna
31.      Ceratocone
32.      Cesárea anterior
33.      Chlamydia, ureaplasma e mycoplasma
34.      Circular de cordão, uma, duas ou três “voltas” (campeoníssima – essa conta com a cumplicidade dos ultrassonografistas e o diagnóstico do número de voltas é absolutamente nebuloso)
35.      Cirurgia gastrointestinal prévia
36.      Colestase gravídica
37.      Coleta de sangue do cordão umbilical para congelamento e preservação de células-tronco
38.      Colo grosso, colo posterior, colo duro, colo alto e (paradoxalmente) colo curto
39.      Colostomia (sim, porque é melhor fazer uma incisão abdominal perto do estoma com fezes do que um parto normal bem distante da área...)
40.      Conização prévia do colo uterino
41.      Condilomas (verrugas genitais) que não provocam obstrução do canal de parto.
42.      Constipação (prisão de ventre)
43.      Cordão curto (impossível a mensuração antes do nascimento)
44.      Cálculo renal (nefrolitíase)
45.      Data provável do parto (DPP) próximo a feriados prolongados e datas festivas (incluindo aniversário do obstetra)
46.      Datas significativas como 11/11/11 ou 12/12/12 (ainda bem que a partir de 2013 precisaremos esperar o próximo século mas ainda inventam outras...)
47.      Diabetes mellitus clínico ou gestacional
48.      Diagnóstico de desproporção cefalopélvica sem sequer a gestante ter entrado em trabalho de parto e antes da dilatação de 8 a 10 cm
49.      Disfunção da sínfise púbica
50.      Dorso à direita, dorso posterior, ou dorso em qualquer outro lugar
51.      Edema de membros inferiores/edema generalizado
52.      Eletrocauterização prévia do colo uterino
53.      Endometriose em qualquer grau e localização
54.      Enxaqueca materna
55.      Epilepsia e uso de qualquer droga antiepiléptica
56.      Escoliose
57.      Espondilite anquilosante – Qualquer espondiloartropatia
58.      Estreptococo do Grupo B (EGB) no rastreamento com cultura anovaginal entre 35-37 semanas
59.      Exérese prévia de pólipos intestinais por colonoscopia
60.      Falta de dilatação antes do trabalho de parto
61.      Falta de vagas nos hospitais se a gestante não marcar a cesárea
62.      Feto com “unhas compridas”
63.      Feto morto
64.      Fibromialgia
65.      Fratura de cóccix em algum momento da vida
66.      Gastroplastia prévia (parece que, em relação ao peso materno, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come)
67.      Gestação gemelar com os dois conceptos, ou o primeiro, em apresentação cefálica
68.      Gestante saudável demais, correndo o risco de ter um parto fácil e muito rápido, podendo parir antes de chegar ao hospital, com risco de morte do bebê
69.      Gravidez não desejada
70.      Gravidez prolongada
71.      Grumos no líquido amniótico
72.      Hemorroidas
73.      Hepatite B e Hepatite C
74.      Hérnia de disco, operada ou não, em qualquer segmento da coluna vertebral
75.      Hérnia inguinal, hérnia incisional e hérnia umbilical
76.      Hiperprolactinemia
77.      Hipertireoidismo
78.      Hipotireoidismo
79.      História de cesárea na família
80.      História de câncer de mama ou câncer de mama na gravidez
81.      História de depressão pós-parto
82.      História de natimorto ou óbito neonatal em gravidez anterior
83.      História de trombose venosa profunda
84.      História familiar de fibrose cística do pâncreas
85.      HPV com ou sem NIC
86.      Idade materna “avançada” (limites bastante variáveis, pelo que tenho observado, mas em geral refere-se às mulheres com mais de 35 anos)
87.      Incisura nas artérias uterinas (pesquisada inutilmente, uma vez que não se deve realizar oplervelocimetria em uma gravidez normal)
88.      Incontinência urinária de esforço ou estar fazendo muito xixi no final da gravidez
89.      Infecção urinária
90.      Inseminação artificial, FIV, qualquer procedimento de fertilização assistida (pela ideia de que bebês “superdesejados” teriam melhor prognóstico com a cesárea) – motivo pelo qual esses bebês aqui no Brasil muito raramente nascem de parto normal
91.      Insuficiência istmocervical (paradoxalmente, mulheres que têm partos muito fáceis são submetidas a cesarianas eletivas com 37 semanas SEM retirada dos pontos da   circlagem)
92.      Insuficiência Renal Aguda ou Crônica
93.      Laparotomia prévia
94.      Lesão medular (habitualmente acarretando paralisia: tetraplegia, paraplegia, hemiplegia, diplegia, dependendo do nível da lesão): essas mulheres em geral são cadeirantes e podem ter partos sem dor, mas o diagnóstico não é indicação de cesárea!
95.      Líquido amniótico em excesso
96.      Lúpus eritematoso sistêmico (LES)
97.      Magreza da mãe
98.      Malformação cardíaca fetal
99.      Mecônio no líquido amniótico (só indica cesariana se houver associação com padrões anômalos de frequência cardíaca fetal, sugerindo sofrimento fetal)
100.  Mioma uterino (exceto se funcionar como tumor prévio)
101.  Miscigenação racial (pelo “elevado risco” de desproporção céfalo-pélvica)
102.  Neoplasia intraepitelial cervical (NIC)
103.  Nó verdadeiro de cordão (impossível o diagnóstico antenatal, sorry)
104.  98.         Obesidade materna
105.  99.         Paciente “não tem perfil para parto normal”
106.  Paciente “não ajuda para o parto normal” (momento vidente ON: “no fundo ela quer cesárea”)
107.  Parto “prolongado” ou período expulsivo “prolongado” (também os limites são muito imprecisos, dependendo da pressa do obstetra). O diagnóstico deve se apoiar no partograma. O próprio ACOG só reconhece período expulsivo prolongado mais de duas horas em primíparas e uma hora em multíparas sem analgesia ou mais de três horas em primíparas e duas horas em multíparas com analgesia. Na curva de Zhang o percentil 95 é de 3,6 horas para primíparas e 2,8 horas para multíparas)
108.   “Passou do tempo” (diagnóstico bastante impreciso que envolve aparentemente qualquer idade gestacional a partir de 39 semanas)
109.  Perineoplastia anterior
110.  Pé nas costelas
111.  Pé torto congênito
112.  Placenta grau III ou II ou I ou qualquer outra classificação placentária
113.  Placentas baixas não oclusivas do colo do útero
114.  Plaquetopenia
115.  Pólipos uterinos
116.  Possível falta de vaga em maternidade para um parto normal, caso a gestante não marque a cesárea
117.  Pouco líquido no exame ultrassonográfico (sem indicação no final da gravidez em gestantes normais)
118.  Praticar musculação ou ser atleta
119.  Pressão alta
120.  Pressão baixa
121.  Problemas oftalmológicos, incluindo miopia, grande miopia, ceratocone  e descolamento da retina
122.  Profissão professora
123.  Prolapso de valva mitral
124.  Prótese total de quadril
125.  Prurido gestacional
126.  Qualquer malformação fetal incompatível com a vida
127.  Qualquer procedimento cirúrgico durante a gravidez
128.  Queloide ou tendência a queloide podendo complicar uma episiotomia (e a cesárea não? E para que fazer episiotomia?)
129.  Reação vasovagal
130.  Sedentarismo
131.   Septo uterino/cirurgia prévia para ressecção de septo por via   histeroscópica
132.  Ser bailarina
133.  Sono fetal (bebê que dorme durante o trabalho de parto)
134.  Suspeita ecográfica de mecônio no líquido amniótico
135.  Síndrome de Down e qualquer outra cromossomopatia
136.  Síndrome de Ovários Policísticos (SOP)
137.  Tabagismo
138.  Trabalho de parto prematuro
139.  Trânsito urbano muito intenso
140.  Tricomoníase
141.  Trombofilias
142.  Trombose venosa profunda
143.  Varizes uterinas
144.  Uso de antidepressivos ou antipsicóticos
145.  Uso de aspirina e outros antiagregantes plaquetários (ex.: clopidogrel)
146.  Útero bicorno
147.  Útero retrovertido
148.  Vaginose bacteriana
149.   Varizes na vulva e/ou vagina
150.  Violência urbana, impedindo obstetra (famoso) de sair de casa à noite ou alegada como pretexto para que as gestantes também não sigam o perigoso percurso até a maternidade

Nota: infelizmente isto não é piada. Agradeço a contribuição das gestantes, dos colegas e dos políticos que me mandam bilhetinhos estapafúrdios indicando cesarianas por motivos os mais exóticos, e recentemente a Gisele Leal que compilou mais indicações informadas pelas mulheres dos grupos do Facebook.

Soube de mais algum pretexto estapafúrdio para cesariana? Escreva para melania.amorim@gmail.com ou poste em meu perfil no Facebook: Melania Amorim."

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