sexta-feira, 29 de junho de 2012

Placenta




Você sabia que placenta, vocábulo latim, quer dizer bolo?

A placenta é o intermediário indispensável entre o feto e a mãe. Além de produzir mais de vinte hormônios essenciais ao feto, recolhe do sangue materno as moléculas nutrientes (glicose, ferro, cálcio) e oxigênio para o feto, eliminando gás carbônico e purificando-se dos resíduos.
* Eu adorei ver a placenta que abrigou minha filha Ana Carolina logo após a pari. Pedi para me explicarem como ficava, posição, as partes, tudo que me veio a cabeça. E a doei para um Neonatologista  usá-la em sua pesquisa. - Bartira.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Sobre Parteria Tradicional e seus Desafios...




"Muitas parteiras exibem seus currículos com nítida altivez. Seus partos são contabilizados em múltiplos de mil (da mesma forma como alguns médicos fazem), para falar de uma experiência quase nunca comprovada objetivamente, mas sempre assumida como verdadeira. Falam de uma parteria pouco profissional (no sentido econômico) e cheia de glórias. Arrancam lágrimas de nossos olhos ao contar de sua dedicação ao trabalho e do amor que nutrem pelas mulheres, mas não falam das óbvias falhas que existem em um sistema baseado no aprendizado direto, absorvendo os conhecimentos de outra parteira. Seus discursos são cheios de palavras de ordem e nostalgia, mas carecem de propostas viáveis para salvar um modelo que está nitidamente desaparecendo.

Algumas vozes importantes da parteria insistem no modelo de aprendizado direto. Esse é uma característica muito clara de algumas lideranças, e me parece carecer de uma profundidade ideológica que vise à preservação do modelo, ao preocupar-se apenas em valorizar a experiência individual de algumas profissionais. Por mais que possamos admitir a importância do aprendizado direto e informal, ele está fadado a desaparecer, da mesma maneira como ocorreu com todas as outras profissões que foram sugadas pelo sistema educacional formal. Não me parece possível imaginar que a parteria possa fugir dessa regra e apresentar uma alternativa diferente.

As mesmas forças que desembocaram na reprodução sexual para a manutenção da vida operam na formação dos profissionais das diferentes especialidades humanas. Essa estratégia facilita a produção de novas variabilidades em organismos que se encontram com frequentes desafios do meio ambiente (Wenda Trevathan, Human Birth – Foundations of Human Behavior, Aldine de Gruitier, N. York, 1897). Por essa razão, ela se sobrepôs à cissiparidade (divisão celular simples) no curso do processo de evolução. As parteiras tradicionais resultam de um processo de clonagem das suas mestras, o que lhes oferece um treinamento por contiguidade por vezes intenso, mas carente de variabilidade. As parteiras assim formadas aprendem as virtudes, mas tendem a manter os defeitos de suas mentoras. A universalidade da aprendizagem, mesmo com o custo da especialização e fragmentação do saber, produz uma maior disseminação do conhecimento entre vários atores, da mesma forma que a reprodução sexuada oferece a mistura adequada para a diversificação genética, que protege as espécies das desgraças e tragédias que o meio ambiente nos expõe. Inserir a parteria no ensino formal é um destino inquestionável, pois, além das virtudes apontadas acima, pode oferecer um sistema de controle social sobre o trabalho dessas profissionais, através de conselhos e sindicatos. O fim da parteria por aprendizado direto, como ainda é o padrão em muitos lugares pobres do mundo, é inevitável. Ocorreu o mesmo com os médicos, os engenheiros, os advogados e os marceneiros. Temos, entretanto, o dever de resguardar as parteiras tradicionais existentes e protegê-las, ao mesmo tempo em que investimos em uma formação profissional consistente, forte e centrada em princípios humanistas."

[Do livro "Entre as Orelhas - Histórias de Parto", capítulo "Banquete da Nostalgia", de Ric Jones]

segunda-feira, 18 de junho de 2012



"Enquanto o Fantástico menciona uma ativista que morreu do outro lado do mundo, no Brasil e no Estado de São Paulo a mortalidade materna PERMANECE em patamares ELEVADÍSSIMOS.
E não é por causa de parto domiciliar, muito menos os planejados.
É por excesso de cesariana.
É por negligência.
É por desrespeito."

(por Denise Niy)

PARTO DOMICILIAR: DIREITO REPRODUTIVO E EVIDÊNCIAS


“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro”

(Ricardo Herbert Jones)

A discussão sobre o local de parto deve se pautar, essencialmente, em dois níveis: respeito à autonomia e ao protagonismo feminino, uma vez que a escolha do local de parto é um direito reprodutivo básico; e reconhecimento e adequada interpretação das evidências comparando partos domiciliares planejados e partos hospitalares em gestantes de baixo risco. Não se compreende mais na atualidade o processo de tomada de decisão baseado exclusivamente nas concepções e na experiência do prestador de cuidado, uma vez que, por definição, Medicina Baseada em Evidências consiste na integração harmoniosa da experiência clínica individual com as melhores evidências científicas correntemente disponíveis e com as características e expectativas dos pacientes.

Apesar da posição contrária de conselhos regionais de Medicina e da FEBRASGO, que vêm sistematicamente desaconselhando (embora não proibindo) o parto domiciliar, devemos destacar que tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) como a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras (FIGO) respeitam o direito de escolha do local de parto pelas mulheres e reconhecem que, quando assistido por profissionais habilitados, há benefícios consideráveis para as mulheres que querem e podem ter partos domiciliares. A OMS reconhece como profissionais habilitados para prestar assistência ao parto tanto médicos como enfermeiras-obstetras e parteiras e recomenda que as mulheres podem escolher ter seus partos em casa se elas têm gestações de baixo-risco, recebem o nível apropriado de cuidado e formulam planos de contingência para transferência para uma unidade de saúde devidamente equipada se surgem problemas durante o parto(1–3). Por sua vez, a FIGO recomenda que "uma mulher deve dar à luz num local onde se sinta segura, e no nível mais periférico onde a assistência adequada for viável e segura” (4). Outras sociedades no mundo, como o American College of Nurse Midwives (5), a American Public Health Association (6), o Royal College of Midwives (RCM) e o Royal College of Obstetricians and Gynaecologists (RCOG) (7) apoiam o parto domiciliar para mulheres com gestações não complicadas. De acordo com a diretriz do RCM e do RCOG, “não há motivos para que o parto domiciliar não seja oferecido a mulheres de baixo risco, uma vez que pode conferir consideráveis benefícios para estas e suas famílias” (7).

Mesmo o American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), conquanto explicite que considera hospitais e centros de parto normal mais seguros, reconhece o direito das mulheres de escolher o local do parto. Citando literalmente o resumo da diretriz, publicada em fevereiro de 2011: “Embora o Comitê de Prática Obstétrica acredite que os hospitais e centros de parto normal sejam os locais mais seguros para o nascimento, ele respeita o direito de uma mulher de tomar uma decisão medicamente informada sobre o parto. Mulheres questionando sobre o parto domiciliar planejado deveriam ser informadas sobre os seus riscos e benefícios baseados nas recentes evidências. Especificamente, elas deveriam ser informadas que embora o risco absoluto possa ser baixo, o parto domiciliar planejado está associado com um risco duas a três vezes maior de morte neonatal quando comparado com o parto hospitalar planejado. É importante que as mulheres devam ser informadas que a adequada seleção de candidatas para o parto domiciliar; a disponibilidade de enfermeiras-obstetras ou parteiras certificadas, ou médicos atuando dentro de um sistema de saúde integrado e regulado; o pronto acesso à consulta; e a garantia de transporte seguro e rápido para os hospitais mais próximos são críticos para reduzir as taxas de mortalidade perinatal e obter desfechos favoráveis do parto domiciliar.” (8)

Em relação às evidências, a despeito dos temores do ACOG, devemos destacar que essa conclusão de aumento do risco de morte neonatal se baseia unicamente nos resultados da controvertida metanálise publicada em 2010 por Wax et al. no American Journal of Obstetrics and Gynecology (AJOG) (9). O problema é que essa metanálise, que incluiu 12 estudos originais e um total de 342.056 partos domiciliares e 207.551 partos hospitalares planejados, apresentou diversos vieses e erros metodológicos grosseiros. Os autores concluíram que os partos domiciliares planejados se associam com menor risco de intervenções maternas, incluindo analgesia peridural, monitoração eletrônica fetal, episiotomia, parto operatório, além de menor frequência de lacerações, hemorragia e infecções. Dentre os desfechos neonatais dos partos domiciliares planejados, verificou-se menor taxa de prematuridade, baixo peso ao nascer e necessidade de ventilação assistida. No entanto, apesar de as taxas de mortalidade perinatal serem semelhantes entre partos domiciliares e partos hospitalares, os partos domiciliares se associaram com aumento de cerca de três vezes das taxas de mortalidade neonatal.

O artigo em questão gerou intensa polêmica na comunidade científica internacional, seguindo-se diversas cartas publicadas em sequência no próprio AJOG, das quais uma tem o provocativo título “Parto domiciliar triplica a taxa de morte neonatal: comunicação pública ou má ciência?”(10). Diante de todas as críticas, o AJOG resolveu investigar o estudo em questão, e a revisão pós-publicação de fato encontrou erros na análise original, embora não tenha alterado suas conclusões. A conceituadíssima revista Nature se interessou pela questão, porém mesmo solicitando diversas vezes que tanto Wax como o ACOG comentassem os problemas apontados por vários especialistas, esses declinaram o convite. A Elsevier, editora que publica a revista, reconhece os erros, mas não acredita que esses possam motivar uma retratação (11).

Tentando resumir a enorme quantidade de críticas feitas à metanálise de Wax, podemos afirmar que, à diferença das revisões sistemáticas da Cochrane, essa não seguiu as diretrizes estabelecidas internacionalmente para condução e publicação de metanálise, como o PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) ou o MOOSE (Meta-Analyses and Systematic Reviews of Observational Studies). Diversos erros estatísticos foram cometidos, até porque os autores utilizaram uma calculadora para a metanálise que apresenta vários problemas, resultando em Odds Ratio e intervalos de confiança incorretos, o que foi reconhecido pelo próprio autor do programa. No entanto, o principal erro enviesando a análise não foi estatístico, e sim um viés de seleção dos estudos, porque os autores da metanálise excluíram o grande estudo de coorte holandês com mais de 500.000 partos do cálculo do risco de morte neonatal, embora o tenham incluído no cálculo do risco de morte perinatal. Na verdade, os dados da metanálise são contraditórios em relação à morte neonatal e perinatal basicamente porque os autores definiram morte perinatal como morte fetal depois de 20 semanas ou a morte de um recém-nascido (RN) vivo nos primeiros 28 dias de vida, em vez de nos primeiros sete dias de vida, como é a recomendação internacional. Por outro lado, outros estudos usados para calcular o risco de morte neonatal foram incorretamente incluídos e outros que poderiam ter sido incluídos para o cálculo de morte perinatal foram excluídos, por razões que não ficam bem claras. Os dados utilizados para o cálculo de morte neonatal incluíram partos que não tinham sido assistidos por parteiras ou enfermeiras-obstetras certificadas, o que já se demonstrou ser fator importante para redução dos riscos. Mesmo revisando os dados e apresentando os gráficos em uma publicação ulterior na revista com os novos números calculados corretamente, isso não resolve os sérios problemas metodológicos pertinentes à definição de termos e critérios de inclusão e exclusão.

Em suma, como refere Keirse em seu brilhante artigo publicado na Birth em Dezembro de 2010 (“Home Birth: Gone Away, Gone Astray, and Here To Stay”) “combinar estudos de parto domiciliar e hospitalar, sem diferenciar o que está dentro deles, onde eles estão e o que os circunda, é semelhante a produzir uma salada de frutas com batatas, abacaxi e salsão”. (12)

O fato é que, à parte a enviesadíssima metanálise de Wax et al., todos os grandes estudos observacionais publicados reforçam as vantagens do parto domiciliar em termos de desfechos maternos, resultando em menor taxa de intervenções como episiotomia, analgesia, uso de ocitocina, operação cesariana e parto instrumental (fórceps e vácuo-extrator), sem aumento do risco de complicações para mães e bebês e com elevado grau de satisfação das usuárias que passaram por essa experiência (13–15). Dentre esses estudos, destacamos o estudo holandês (de Jonge et al.), publicado em 2009, envolvendo mais de 500.000 partos (16), e que foi arbitrariamente excluído da metanálise, como já apontamos anteriormente, e os estudos mais recentes, publicados em 2011, o do National Health System (NHS) no Reino Unido (mais de 60.000 partos) (17) e outro grande estudo de coorte holandês com mais de 679.000 partos (18). Nesse último estudo, evidenciou-se uma mortalidade perinatal de 0,15% em partos domiciliares planejados contra 0,18% em partos hospitalares planejados em parturientes de baixo risco. O fato é que, infelizmente, mesmo com a melhor assistência, 15-18 em cada 10.000 RN irão morrer, quer nasçam em casa quer no hospital, mesmo em países desenvolvidos como a Holanda, não havendo diferença significativa nessa mortalidade de acordo com o local de parto.

Embora a utilização de evidências de estudos observacionais possa ser alvo de críticas, o fato é que não dispomos de ensaios clínicos randomizados (ECR) comparando partos domiciliares vs. hospitalares. Um único ECR foi publicado e incluído na revisão sistemática da Biblioteca Cochrane, porém só conseguiu avaliar 11 mulheres (19). De fato, alguns especialistas podem considerar difícil elaborar recomendações fortes com base em evidências fracas, oriundas de estudos observacionais, mas o mínimo que profissionais e sociedades deveriam reconhecer é que também não dispomos de evidências fortes corroborando a segurança do parto hospitalar para parturientes de baixo risco e seus neonatos.

No entanto, randomizar mulheres para parto domiciliar ou hospitalar é virtualmente impossível: de acordo com Keirse, essas mulheres para quem “tanto faz” parir em casa como no hospital seriam “tão raras quanto elefantes brancos”, mas mesmo que essas mulheres fossem encontradas, dificilmente as conclusões de um ensaio clínico randomizado com essa amostra poderiam ser extrapoladas para mulheres diferentes em situações e contextos clínicos diferentes. Mulheres que DESEJAM ter seus bebês em casa diferem substancialmente daquelas que escolhem um parto hospitalar, da mesma forma que os profissionais que prestam assistência a partos domiciliares ou exclusivamente a partos hospitalares também são bastante diferentes entre si.

Na prática, devemos considerar que tanto gestantes como profissionais de saúde têm sempre o mesmo e primaz objetivo de garantir uma experiência de parto satisfatória, com mãe e bebê saudáveis. Por outro lado, é um direito reprodutivo básico para as mulheres poder escolher como e onde irão dar à luz. Essa escolha deve ser informada pelas melhores evidências correntemente disponíveis, e essas evidências sugerem, sem se considerar a metanálise equivocada de Wax et al., que o parto domiciliar é uma opção segura para as parturientes de baixo risco atendidas por profissionais qualificados. Como vantagens em relação ao parto hospitalar se destacam a menor frequência de intervenções para a mãe e o conforto e a satisfação das usuárias, que vivenciam uma experiência única e transformadora em seu próprio lar. As taxas de mortalidade perinatal e neonatal são semelhantes àquelas observadas em partos hospitalares de baixo risco. No entanto, a decisão final deve se basear tanto nas evidências como nas características e expectativas das gestantes, bem como na experiência e qualificação dos prestadores e nas facilidades de acesso aos serviços de saúde.

De fato, o parto domiciliar planejado não somente continua acontecendo no Brasil, como vem crescendo o número de mulheres que optam por essa alternativa, apesar de ainda não dispormos de estatísticas confiáveis sobre o número exato, uma vez que os nossos sistemas de informação não permitem ainda distinguir partos domiciliares planejados dos não planejados e ocorridos sem assistência. No entanto, com o acesso amplo à Internet e o constante debate nas redes sociais, diversas mulheres têm compartilhado e comparado as suas experiências de parto em nosso país. Existe uma parcela crescente de mulheres insatisfeitas com o atual modelo de assistência obstétrica, excessivamente tecnocrático e caracterizado, por um lado, pelas taxas de cesárea inaceitavelmente elevadas no setor privado (mais de 80%) e, por outro, pelos partos traumáticos e com excesso de intervenções no Sistema Público de Saúde. Apesar da política de Humanização da Assistência ao Parto e Nascimento preconizada pelo Ministério da Saúde no Brasil (20), é fato que o modelo atual, hospitalocêntrico e medicalocêntrico, não permite ainda à maior parte das usuárias ter uma assistência ao parto humanizada e segura. Vivemos ainda em um país onde, "quando não se corta por cima, se corta por baixo", como bem definem Diniz e Chachan, referindo-se às cesáreas e episiotomias desnecessárias (21). Mais ainda, vivenciamos o chamado “paradoxo perinatal brasileiro”, uma vez que apesar de termos 98% de partos hospitalares e da adoção indiscriminada da tecnologia para assistência ao parto, a mortalidade materna e neonatal persistem elevadas (22).

Para completar, uma em cada quatro mulheres brasileiras internadas para assistência ao parto em hospitais públicos ou privados relata ter sofrido violência institucional, traduzida por qualquer forma de agressão perpetrada pelos profissionais de saúde que lhe prestam atendimento. Essas agressões não envolvem apenas o uso de procedimentos, técnicas e exames dolorosos e desnecessários, mas até ironias, gritos e tratamentos grosseiros com viés discriminatório quanto a classe social ou cor da pele (23). A violência institucional durante o parto pode assumir múltiplas facetas e representa um problema internacionalmente reconhecido (24). Em diversos hospitais ainda não se permite a presença do acompanhante, mesmo com a Lei 11.108 estabelecendo a obrigatoriedade de tanto hospitais públicos como privados permitirem a presença, junto à parturiente, de um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato (25).

O atual modelo de assistência ao parto em nosso País é assustador, com os 52% de cesarianas (26) contrastando com uma mortalidade materna em torno de 70 para 100.000 nascidos vivos (27; 28) Mais ainda, embora falido e não sustentável em longo prazo, permite ainda a muitos profissionais soluções cômodas a que esses se aferram, de dentro de sua zona de conforto, como a praticidade e a conveniência de programar cesarianas eletivas sem indicação médica definida. Curiosamente, são esses os mesmos profissionais que defendem o "direito" da mulher de escolher sua via de parto, embora aparentemente este direito tenha mão única, só valha para a minoria de mulheres que desejam uma cesariana e não inclua aquelas que desejam um parto normal nem tampouco se estenda para a decisão sobre o local de parto (29). A voz das mulheres e o seu direito de escolha têm sido grandemente ignorados (30).

O debate em torno do parto domiciliar, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, tem se tornado extremamente polarizado e politizado, de forma que nós não esperamos com essa manifestação das mulheres resolver a polêmica. Nossa intenção é promover ampla discussão com toda a sociedade, tentando estabelecer um consenso, visando a garantir o respeito a um direito reprodutivo básico, qual seja a escolha do local de parto, mas também a implementar estratégias para aumentar a segurança e a satisfação das usuárias em TODOS os partos (12). Isto inclui tanto melhorar e humanizar a atenção hospitalar no sentido de que os partos assistidos em maternidades ou centros de parto normal possam representar uma experiência gratificante
para as mulheres, como estabelecer diretrizes para a seleção adequada das candidatas ao parto domiciliar e um atendimento obstétrico seguro e de qualidade em domicílio.

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization (WHO). Maternal and Newborn Health/Safe Motherhood Unit of the World Health Organization, Care in Normal Birth: A practical guide. [Internet]. 1996;1-54.Available from: http://whqlibdoc.who.int/hq/1996/WHO_FRH_MSM_96.24.pdf

2. World Health Organization (WHO). Managing complications in Pregnancy and Childbirth: A guide for midwives and doctors [Internet]. 2007;1-23.Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9241545879_eng.pdf

3. World Health Organization (WHO). WHO | Skilled birth attendants [Internet]. 2004;1-17.[cited 2011 Sep 19] Available from: http://whqlibdoc.who.int/publications/2004/9241591692.pdf

4. FIGO. Recommendations accepted by the General Assembly at the XIII World Congress of Gynecology and Obstetrics [Internet]. International Journal of Gynecology and Obstetrics 1992;38(Supplement):S79-S80.[cited 2011 Sep 19] Available from: http://www.ijgo.org/article/0020-7292(92)90037-J/pdf

5. American College of Nurse-Midwives. American College of Nurse-Midwives Position Statement on Home Birth [Internet]. 2005;1-4.Available from: http://www.midwife.org/siteFiles/position/homeBirth.pdf

6. (APHA) APHA. Increasing access to out-of-hospital maternity care services through state-regulated and nationally-certified direct-entry midwives. APHA Public Policy Statements [Internet]. 2001;1-3.Available from: http://mana.org/APHAformatted.pdf

7. RCOG and Royal College of Midwives. Home Births [Internet]. 2007;1-6.Available from: http://www.rcog.org.uk/files/rcog-corp/uploaded-files/JointStatmentHomeBirths2007.pdf

8. ACOG Committee Opinion No. 476: Planned home birth. [Internet]. Obstetrics and gynecology 2011 Feb;117(2 Pt 1):425-8.[cited 2011 Sep 20] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21252776

9. Wax JR, Lucas FL, Lamont M, Pinette MG, Cartin A, Blackstone J. Maternal and newborn outcomes in planned home birth vs planned hospital births: a metaanalysis. [Internet]. American journal of obstetrics and gynecology 2010 Sep;203(3):243.e1-8.[cited 2011 Aug 7] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20598284

10. Sandall J, Bewley S, Newburn M. “Home birth triples the neonatal death rate”: public communication of bad science? [Internet]. American journal of obstetrics and gynecology 2011 Apr;204(4):e17-8; author reply e18-20, discussion e20.[cited 2011 Sep 18] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21458615

11. Editors’ comment [Internet]. American Journal of Obstetrics and Gynecology 2011 Apr;204(4):e20.[cited 2011 Sep 18] Available from: http://dx.doi.org/10.1016/j.ajog.2011.01.041

12. Keirse MJNC. Home birth: gone away, gone astray, and here to stay. [Internet]. Birth (Berkeley, Calif.) 2010 Dec;37(4):341-6.[cited 2011 Sep 18] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21083728

13. Johnson KC, Daviss B-A. Outcomes of planned home births with certified professional midwives: large prospective study in North America. [Internet]. BMJ (Clinical research ed.) 2005 Jun;330(7505):1416.[cited 2012 Apr 19] Available from: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=558373&tool=pmcentrez&rendertype=abstract

14. Hutton EK, Reitsma AH, Kaufman K. Outcomes associated with planned home and planned hospital births in low-risk women attended by midwives in Ontario, Canada, 2003-2006: a retrospective cohort study. [Internet]. Birth (Berkeley, Calif.) 2009 Sep;36(3):180-9.[cited 2011 Sep 18] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19747264

15. Janssen PA, Saxell L, Page LA, Klein MC, Liston RM, Lee SK. Outcomes of planned home birth with registered midwife versus planned hospital birth with midwife or physician. [Internet]. CMAJ: Canadian Medical Association journal = journal de l’Association medicale canadienne 2009 Sep;181(6-7):377-83.[cited 2011 Aug 12] Available from: http://www.pubmedcentral.nih.gov/articlerender.fcgi?artid=2742137&tool=pmcentrez&rendertype=abstract

16. de Jonge A, van der Goes BY, Ravelli ACJ, Amelink-Verburg MP, Mol BW, Nijhuis JG, Bennebroek Gravenhorst J, Buitendijk SE. Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. [Internet]. BJOG: an international journal of obstetrics and gynaecology 2009 Aug;116(9):1177-84.[cited 2011 Sep 6] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19624439

17. Birthplace in England Collaborative Group. Perinatal and maternal outcomes by planned place of birth for healthy women with low risk pregnancies: the Birthplace in England national prospective cohort study [Internet]. BMJ 2011 Nov;343(nov23 4):d7400-d7400.[cited 2012 Mar 20] Available from: http://www.bmj.com/cgi/content/abstract/343/nov23_4/d7400

18. van der Kooy J, Poeran J, de Graaf JP, Birnie E, Denktasş S, Steegers EAP, Bonsel GJ. Planned home compared with planned hospital births in the Netherlands: intrapartum and early neonatal death in low-risk pregnancies. [Internet]. Obstetrics and gynecology 2011 Nov;118(5):1037-46.[cited 2012 Feb 29] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22015871

19. Olsen O, Jewell MD. Home versus hospital birth. [Internet]. Cochrane database of systematic reviews (Online) 2000 Jan;(2):CD000352.[cited 2012 Jun 11] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/10796198

20. Brasil. Ministério da Saúde. Parto, Aborto e Puerpério: Assistencia Humanizada à Mulher [Internet]. 2001;1-200.Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf

21. Diniz SG, Chacham AS. “The cut above” and “the cut below”: the abuse of caesareans and episiotomy in São Paulo, Brazil. [Internet]. Reproductive health matters 2004 May;12(23):100-10.[cited 2011 Sep 20] Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/15242215

22. Diniz SG. Gênero, saúde materna e o paradoxo perinatal [Internet]. Revista brasileira de crescimento e desenvolvimento humano 2009;19(2):313-326.[cited 2012 Jun 14] Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12822009000200012&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

23. Capriglione L. Uma em 4 mulheres relata maus-tratos durante parto. Folha de São Paulo, 2011 [Internet]. Folha de São Paulo 2011;Available from: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2402201101.htm

24. Bowser D, Hill K. Exploring Evidence for Disrespect and Abuse in Facility-Based Childbirth [Internet]. USAID-TRAction Project 2010;1-57.Available from: http://www.tractionproject.org/sites/default/files/upload/RFA/Respectful Careat Birth 9-20-101 Final.pdf

25. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA - MJ; MINISTÉRIO DA SAÚDE - MS. Lei No. 11.108 [Internet]. 2005;Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11108.htm

26. Gois A, Menchen D. Cesáreas superam partos normais pela primeira vez no país [Internet]. Folha de São Paulo 2011;Available from: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1009189-cesareas-superam-partos-normais-pela-primeira-vez-no-pais.shtml

27. DATA SUS. C.3 Razão de Mortalidade Materna [Internet]. TABNET.DATASUS.GOV.BR 2008;Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb2010/C03b.htm

28. Morse ML, Fonseca SC, Barbosa MD, Calil MB, Eyer FPC. Mortalidade materna no Brasil: o que mostra a produção científica nos últimos 30 anos? [Internet]. Cadernos de Saúde Pública 2011 Apr;27(4):623-638.[cited 2012 Jun 14] Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2011000400002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

29. Amorim MM. Parto Normal vs. Cesárea - (parte 2): por que as taxas de cesárea são tão elevadas no Brasil? - Parto - Guia do Bebê [Internet]. Guia do Bebê 2011;[cited 2011 Sep 18] Available from: http://guiadobebe.uol.com.br/parto-normal-vs-cesarea-parte-2-por-que-as-taxas-de-cesarea-sao-tao-elevadas-no-brasil/

30. Faúndes A, Pádua KS de, Osis MJD, Cecatti JG, Sousa MH de. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto [Internet]. Revista de Saúde Pública 2004 Aug;38(4):488-494.[cited 2011 Sep 20] Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102004000400002&lng=en&nrm=iso&tlng=pt

Da legalidade da cesariana, ou das cesarianas desnecessárias


Nossos obstetras, agarrados ao osso do nascimento cirúrgico, erguem como um trunfo o corpo da ativista australiana morta (aliás, no hospital).

E escondem em seus armários os corpos das mortes em decorrência de cesarianas desnecessárias, eletivas, agendadas, aquelas que a sociedade vê como "o médico fez tudo que era possível, fez a cesárea, tudo direitinho".

Marsden Wagner, quando Diretor de Saúde Materno-Infantil da Organização Mundial de Saúde, alertou para o número alarmante de mulheres que morriam anualmente no Brasil em decorrência dessas cesarianas: 500 mulheres!

Quando a Rede Parto do Princípio denunciou ao Ministério Público Federal, as taxas absurdas de cesarianas na rede suplementar, Marsden Wagner enviou uma mensagem pessoal:

"Gostaria de parabenizá-las pela realização deste importante trabalho pelo fim das cesarianas desnecessárias no Brasil. A mortalidade materna no Brasil é alta demais e é a maior entre as maiores taxas de cesárea do mundo. Bons trabalhos mostram que a taxa de mortalidade de mulheres que passam por cesarianas eletivas é aproximadamente 3 vezes maior que as que passam pelo parto normal. Centenas de mulheres morrem anualmente devido a cesarianas desnecessárias. O trabalho de voces é muito importante. Por favor, mantenham-me informado.

Sinceramente,
Professor Marsden Wagner M.D.
Diretor de Saúde da Criança e da Mulher
Organização Mundial Saúde"

Outra coisa.

Não existe um procedimento chamado "cesariana a pedido". Não no mundo da legalidade.

Se há obstetra despudorado o suficiente para lançar esta frase como indicação de cirurgia num prontuário, das duas uma: ou é petulância, ou ignorância.

Portanto, não digam - srs. obstetras, cremesp, sociedade - que fazem cesarianas porque as mulheres querem: os senhores NÃO PODEM fazer cesariana "a pedido". Se pudessem, se isto fosse um direito, o mesmo direito estaria disponível às mulheres que utilizam o SUS. Direito não envolve poder de compra.

É por isto que o agendamento sempre vem acompanhado de uma indicaçãozinha básica: "vamos marcar, porque logo se vê que você não tem passagem!" E então o prontuário pode ser preenchido com a devida vênia: "desproporção céfalo-pélvica".

Quase toda indicação nasce dos laudos de ultrassom: "hum... tá com pouco líquido, hein? vamos marcar." hum... placenta velha. Cordão enrolado. Bebê muito grande.

E mesmo as cesáreas descaradamente agendadas, a pedido mesmo, para 11/11/11, ou de modo que não seja de capricórnio, doutor, pelo amor de deus que já basta o meu marido - mesmo pra estas sempre rola um comentário: "viu como foi bom fazermos a cesárea? olha só, as circulares do cordão!" - afinal o doutor terá que em seguida lançar uma indicação no prontuário, e a barbárie ainda não chegou ao ponto de se poder assumir: "cesariana por motivo astrológico".

E por que não se institui logo a cesariana a pedido para todos? Afinal, as maternidades particulares são formatadas para as cesáreas em série, os consultórios estão organizados em função dos dias em que o doutor opera e os dias em que está no consultório, as faculdades de medicina ensinam que cesariana é a regra, então por que não regularizam logo a esbórnia?

Primeiro, que o país é grande e contrastante demais para dar conta da cesárea como "direito de escolha". Não há hospitais em todos os recantos recônditos desse mundão. Aliás, pelo mesmo motivo não se pode, por exemplo, proibir o parto domiciliar assistido por parteira. Simplesmente porque não há outra alternativa para grande parte das brasileiras - sorte das mulheres urbanas que desejam parir de forma desmedicalizada, como recomenda a Organização Mundial de Saúde para o baixo risco - ou seja, para a grande maioria das mulheres.

E nesse conflito encontramos ainda outro ponto nevrálgico: onde irão encontrar nossos chefes de tocoginecologia, material didático melhor do que mulheres parindo em seus hospitais-escola para o aprendizado de seus residentes? Períneos em abundância para o treino de corte e costura! Episiotomias e suas episiorrafias em 100% dos partos! Tão necessário quanto cortar nossos esfíncteres a cada excreção "só pra dar uma ajudinha, senão não sai!" E o uso de fórceps em todas as primíparas - também para fins didáticos - sem nenhum tipo de esclarecimento à mulher, que sai de lá carregando pro resto da vida o peso de seu filho "ter precisado ser puxado a fórceps"?

Portanto, tenhamos clareza: quando um médico vira objeto de preocupação interestadual de conselhos de medicina por dizer num programa de televisão que o parto é um evento FISIOLÓGICO - ou seja, saudável e feito pelo corpo da mulher, que não haja dúvida: a árvore da conveniência intervencionista é que está sendo balançada.

Se a preocupação fosse com a mulher e seu bebê, não teríamos as taxas que temos de "binômios" levados a risco cirúrgico desnecessário, não teríamos o assédio moral da violência obstétrica vivenciada por milhares de mulheres todos os dias, parindo ao som de "na hora de fazer foi bom, que que tá gritando agora?!?"; não teríamos mulheres parindo convertidas em material didático das escolas de medicina; não teríamos classes de profissionais de saúde se engalfinhando pela reserva de mercado da assistência ao parto. A lista continua.

A cesariana a pedido é uma ilusão, uma miragem na qual os obstetras querem mais é que todos acreditem. Não sou contra que este direito exista, apenas penso que as mulheres que o desejam, devam lutar por sua legalização. Porque hoje, toda cesariana sem indicação comprovada é passível de processo, pois contradiz a responsabilidade civil do médico, que entre outras premissas baseia-se no seguinte artigo de seu código de ética:

"Capítulo III - Responsabilidade profissional
É vedado ao médico:
(...)
Art 14 Praticar ou indicar atos médicos desnecessários (...)".

Por ROSELENE DE ARAÚJO.

sábado, 16 de junho de 2012

Carta de apoio ao Obstetra, Amigo e grande Cidadão Jorge Kuhn


"Escrevo para contar o que aconteceu em minhas gestações e para questionar a postura dos Conselhos Regionais de Medicina. Questiono com a autoridade de cidadã, de mulher e de mãe.
Sou mãe, publicitária, profissional de marketing, docente. Sempre busquei pautar minhas escolhas em evidências, estudos, ou ao menos, boas recomendações. Às vezes elas falham e isso já aconteceu comigo. Meu primeiro filho nasceu há 14 anos, na época eu tinha 26 anos, quando me vi grávida procurei uma obstetra do plano de saúde, ouvi algumas recomendações e fui. A falta de conhecimento prejudica sempre. Eu achava que estava sendo bem assistida e por ai foi a gestação. Incomodava as consultas mensais onde sempre era necessário um exame de toque, mas achava que isso foi assim mesmo. Já entrando no sexto mês e realizando um ultrassom por mês, outra coisa que parecia normal. Já no sétimo mês eu comecei a ter contrações e foi percebida que a bolsa estava rota, fui para a maternidade e a sentença estava dada: meu filho teria que nascer naquele dia. Fiquei horas na maternidade, a médica só se comunicava por telefone, nunca foi falado em tentar segurar a gestação. Fui submetida por todos aqueles horríveis procedimentos preparatórios para uma cesárea, além da medonha tricotomia, que coisa invasiva! A médica não conversou comigo, ninguém explicou o que estava acontecendo, mandaram minha mãe que estava me acompanhando embora e meu marido que estava viajando fora do país, também não participou de nada. Bem, cheguei à maternidade por volta das 7h30 da manhã, a médica apareceu por volta das 14h e lembro perfeitamente eu no centro cirúrgico com muitas contrações pedindo para que algo fosse feito e ela dizendo “aguenta o anestesista está no trânsito e não faz força!” (pausa para engolir a dor da lembrança...). Então, isso deveria ser denunciado ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo, uma médica cesareanista do plano de saúde que não dá atenção à sua paciente, que manda esperar o SEU anestesista que está no trânsito... Feita a cesárea, dei um beijo rápido na cabeça do meu pequeno nascido ele foi levado para a UTI neonatal, todos foram embora, fiquei sozinha no Centro Cirúrgico, apareceu uma enfermeira para arrumar as coisas e eu lá, depois de tudo limpo alguém me empurrou para o quarto e lá fiquei até o dia seguinte, sem sair da cama, ai que dor e tristeza lembrar tudo isso, mas estou mexendo nesse baú, pra dizer que isso não é normal, que a mulher não pode ser submetida a esse tratamento na sua hora mais especial. A história seguiu com meu filho na UTI por mais dias que necessário, porque não tinha vaga na semi-intensiva, essa foi a resposta que recebi e por mais de 10 dias não amamentei, não peguei meu filho no colo, ainda não tinha me tornado mãe. Via meu pequeno com soro, sonda se debatendo numa incubadora e eu rezando do lado de fora do vidro, isso por 5 minutos, três vezes ao dia. Isso aconteceu no dia 05 de fevereiro de 1998 na maternidade São Paulo, hoje inexistente. Teria mais fatos para contar desse começo, mas já acho isso o suficiente para o Conselho se preocupar, mas quem sou eu, não é mesmo?
Passei muito tempo sem pensar em engravidar de novo.
Seis anos depois uma nova gravidez. Parece que o tempo ameniza as coisas. De novo procurei um obstetra do plano de saúde e o mesmo procedimento. Com 20 semanas fiz o exame de ultrassom morfológico , outro médico que deveria sofrer uma sansão do Conselho Regional de Medicina. Esse exame durou, entre minha chegada à clínica, atendimento e saída: 16 min! Contados pelo ticket do estacionamento. O médico disse que estava tudo bem e pronto. Eu saí insatisfeita. O obstetra acatou e assim continuou a gestação. Já no oitavo mês, eu achando que havia algo de errado, porque as mães sentem. De tanta insistência, saí da consulta com um novo pedido de ultrassom morfológico e para minha triste surpresa, meu bebê apresentava uma má formação no coração, entre outras coisas. O obstetra disse que nesse caso não poderia me acompanhar mais e me encaminhou para um centro especial do Hospital Universitário. Conselho... Cadê você?
Daí eu e meu marido lembramo-nos de um famoso obstetra aqui se São Paulo e lá fomos bater na porta dele, uma clínica completa, sempre lotada, horas e horas de espera numa sala lotada de gestantes. Chegou minha vez, o médico examinou, olhou o ultrassom e disse para mim e meu marido: “A gente tem que avaliar se ainda vale apena investir nessa gravidez”, eu olhei e disse: Doutor nós preparamos um berço para o nosso filho e não um caixão. Saímos de lá aos prantos, com uma barriga enorme e um filho com nome, enxoval e família esperando por ele.
Foi ai que uma verdadeira amiga, grávida, lúcida e muito crítica me falou de seu médico, de que havia buscado muito e encontrou um que se encaixou em suas exigência e expectativas, Dr. Jorge Kuhn. Confiantes, marcamos uma consulta. Numa doçura e delicadeza infinitas ele nos atendeu, deixou claro de que nada poderia ser feito naquele momento, mas que meu filho certamente precisaria de cuidados especiais após o parto e por isso era NECESSÁRIO de que o parto fosse numa maternidade. Ele nos acompanhou por 4 consultas no último mês. Eu estava relativamente mais tranquila e muito segura. Ele não fazia exame de toque, não tinha necessidade, mas um dia não escutou o coração dele. Fiz um ultrassom. Eu resisti em acreditar que o pior tinha acontecido, mas era fato, meu bebê havia morrido... Já quase em trabalho de parto fui para a casa conceber e assimilar o luto. Diante da morte não há o que fazer. Nesse dia o trabalho de parto engrenou. Ligamos para o Dr. Jorge que foi monitorando e pediu que a Ana Cris, doula na época fosse para a minha casa, ele também estava a caminho, tudo foi muito rápido e ele falou com meu marido para ver comigo se eu não preferia ficar em casa, naquela situação, o parto deveria ser normal, por segurança minha inclusive. Meu pequeno Gabriel nasceu em casa, um parto com todos os cuidados necessários, profundamente humanizado, foi acolhido, amado, nós fomos RESPEITADOS. Não foi programado que seria assim, mas eu não fui desamparada, deixada como antes... O Dr. Jorge esteve presente madrugada adentro na minha casa, ele e sua esposa, também obstetra, me consolaram, vestiram meu filho e o deixaram ao meu lada, como eu quis para que eu pudesse vela-lo e despedir-me. Ele não cobrou um real de mim, nada. E não acabou ai, cuidou de mim no pós parto. Foi por ele que eu não desisti em engravidar de novo. Foi por ele que eu conheci o que é se tornar mãe e foi naquele parto que eu me apoderei verdadeiramente do sentido de ser mãe. É esse médico que o Conselho quer? De que lado o Conselho está?
Sete meses depois engravidei novamente, daí meu pré-natal já tinha endereço certo: Jorge Kunh queria uma gravidez sem sustos e a surpresa. A alegre surpresa era uma gestação gemelar. Tudo correu bem. O Dr. Jorge foi bem claro de que o parto deveria ser numa maternidade e assim foi, duas filhas nascidas com toda a assistência necessária de uma equipe enorme com doulas, obstetras, neonatologitas, minhas filhas nasceram no tempo delas, cada uma num dia, com mais de 7 horas de diferença. Isso porque a primeira nasceu no quarto da maternidade e a segunda se acomodou de forma transversal, dai precisou de uma manobra externa. Lembrou-me bem que após o nascimento da primeira, ela foi para o meu peito, mamou, ficou ali comigo. As pessoas me perguntam: “mas você ficou com dor todo esse tempo?” E eu digo que não me lembro dessa dor, a alegria era tanta que faria tudo de novo, eu estava sendo monitorada a todo instante, a decisão da manobra foi na hora certa e eu também fiquei muito ciente que isso poderia virar uma cesária necessária, fui tranquila. O anestesista foi o disponível na maternidade, não fiquei esperando ninguém preso no trânsito.
Senti a emoção do parto da minha segunda filha presente no olhar e na alegria daquela equipe ali do meu lado. Nasceram muito bem, ficaram comigo, mamaram no primeiro instante, não sofreram intervenções. Fomos para a casa, felizes e com a família bem maior.
Há um ano nasceu meu quarto filho, esse foi acompanhado pela Ana Cris, obstetriz, aquela que segurou minha mão no parto do meu pequeno Gabriel, ela é fruto do Dr. Jorge e eu sabia que estaria segura. Assim foi, uma gestação tranquila, sem sustos, um parto natural, festivo, em casa, ao lado das minhas duas filhas e do meu filho mais velho. Meu quarto filho nasceu de pé, já chegou chutando pra longe todos os fantasmas do primeiro parto, provou para mim a mulher emponderada que sou, a mãe feliz e consciente. Minha família tem muitas razões de vida para lutar de defender a liberdade de escolha, o respeito ao parto e à mulher, o tratamento digno e humanizado. Por isso, nós vamos à luta, nós não tememos contar nossa história e assumir nossas escolhas.
Estamos presentes sempre!"

Por Patricia Russo

quinta-feira, 14 de junho de 2012


A pressão do Conselho de Medicina contra o parto natural

"O PARTO NÃO É UM ATO CIRÚRGICO, O PARTO É UM ATO NATURAL" - Jorge Kuhn

Texto de Otavio Cavalcante Kuhn, filho do nosso querido Jorge Kuhn.

"Texto pra quem acredita (de verdade) na liberdade, se juntem a nós. Dispenso a leitura de quem acha que leva uma vida boa e não faria nada pra mudar:
Quando eu era pequeno, sempre que me perguntavam o que eu queria ser eu dizia: Médico e Professor da Escola Paulista de Medicina. Se bobear algumas vezes ainda devo ter falado que queria ser obstetra. Por quê? Pra mim parece simples, nasci na casa certa para crescer com esse diálogo, cresci vendo o homem mais apaixonado pela própria profissão que já conheci. E, para amar tanto assim uma profissão, ele ama, acima de tudo, a humanidade e a natureza. Num mundo em que todos correm pelo dinheiro, ele me ensinou que tudo o que eu fizesse com amor eu seria bem-sucedido. Esse exemplo de homem, Jorge Kuhn, é meu pai, meu maior exemplo, meu herói, meu melhor amigo. Ele casou com minha mãe, Esmerinda Cavalcante, ou Mema, outro exemplo na minha vida, nunca vi alguém amar o "ninho" desse jeito, exemplo de como criar com amor. E haja coração nessa mãe, porque o que ela reza pela gente não está escrito.
Bom, não só amando a profissão, mas amando a família acima de tudo, ele me mostrou o verdadeiro significado de "família", algo que foi esquecido hoje em dia. Não tenho vergonha alguma de dizer na frente do mundo todo que amo meu pai, que sempre vou amá-lo, que agradeço do fundo do coração por ter nascido nessa família.
Qual foi o resultado dessa criação? Bom, tenho duas irmãs magníficas, Clara Kuhn e Renata Kuhn, com os maiores corações que já conheci, que amam o que fazem e junto comigo, ainda nadam contra essa corrente acéfala que arrasta a maioria hoje em dia (ou alguém conhece um trio composto por: uma Pediatra que ama atuar na saúde pública por poder ajudar as pessoas com menores condições financeiras, sem pensar um tiquinho no dinheiro; uma hoteleira/marketing que atravessou o mundo e foi morar no Paquistão por amor, sem contar a organização de um projeto social que já dura anos; e um estudante de engenharia que nunca pensou em exercer essa profissão pelo dinheiro?).
Um dos grupos de humanização de partos do qual meu pai faz parte organiza todos os anos uma viagem, na qual se encontram pais, mães, e filhos (MUITOS!). Uma vez um dos pais veio me dizer que acha um barato eu e minhas irmãs participarmos destes eventos (tendo em vista que somos os únicos com idade maior que 20 anos). Eu participo mesmo, e participarei todas as vezes que puder, pois estar com minha família, e ver de perto a admiração que estas mães têm pelo meu pai é algo sem preço. Admiração por quê? Pois ele preza a liberdade de escolha das mulheres, ele respeita o parto, sabe que é um momento único na vida de uma mulher, e não vai simplesmente "passar a faca" no dia mais importante de sua vida para chegar em casa à tempo de ver a novela.
Se você teve paciência de ler até aqui, agora vai a explicação do por quê deste texto. Dois dias atrás meu pai apareceu em uma matéria no Fantástico, sobre o parto domiciliar. Ele falou com propriedade as contra-indicações e disse que "o parto não é um ato cirúrgico, o parto é um ato natural" (eu vivo 24 anos na mesma casa que este homem e sei a propriedade com a qual ele fala, ele ama estudar, e tudo aquilo que faz tem embasamento em Medicina baseada em Evidências e mais de 35 anos de estudos). Resultado? O CREMERJ (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) veio então, por nota oficial, comunicar que entrará com uma denúncia contra meu pai, uma denúncia por ele defender o parto domiciliar.
Vamos lá então, se meu pai será crucificado por estar entre a minoria que apóia a liberdade da paciente, que o Brasil seja crucificado por ser a minoria do mundo que prefere a cesárea ao parto normal (sim, o Brasil possui o maior índice, e não é pela cesárea ser o certo). Se meu pai será denunciado por amar o que faz, que denunciem todos aqueles que vivem com amor, e que esse mundo seja transformado em um inferno de ódio. Se meu pai será denunciado por passar horas trabalhando, enquanto o Fulano já fez sua cesárea e está em casa assistindo ao Jornal Nacional, que denunciem o Mandela, o Ghandi, Jesus Cristo, e todos aqueles que trabalharam forte por um mundo melhor.
Estou morando fora do país desde Setembro passado, minha vontade era estar no Brasil para batalhar por aqueles que amo, e, acima de tudo, por aqueles que AMAM. Convido a todos que participem da Marcha do próximo Sábado (16) e domingo (17) (http://www.facebook.com/events/103917906416661/). Essa marcha é muito mais que uma marcha pelo parto, é uma marcha pelo que foi esquecido há muito, a liberdade de expressão e escolha.Hoje cheguei à certeza de tudo o que sempre pensei, vivemos sim numa ditadura. Façamos barulho então, parem a Avenida Paulista e todas as principais avenidas do Brasil, e quem ficar em casa pois acha isso "bobagem de arruaceiros", tenho pena de vocês. Convido a todos para um luta pelo que foi esquecido há muito tempo, a liberdade! E para mostrarmos que não somos robôs deste sistema, no qual o CRM é um pretexto para se ter status, e para esquecer o um dia feito "Juramento de Hipócrates" (ou eu li errado em algum lugar e o nome é Juramento de Hipócritas?).
Otávio Cavalcante Kuhn dos Santos, filho de Jorge Kuhn com orgulho!"

Fonte: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-pressao-do-conselho-de-medicina-contra-o-parto-natural

A Marcha do Parto em casa está na rede, em todo lugar!!!

quarta-feira, 13 de junho de 2012

NÃO PEDIMOS SEU CONSELHO!

https://www.facebook.com/MarchaDoPartoEmCasa


Nos dias 16 e 17 de junho, mulheres ocuparão as ruas de várias cidades brasileiras em defesa dos seus direitos sexuais e reprodutivos, entre eles a escolha pelo local de parto.

No último domingo, dia 10 de junho, o Fantástico veiculou matéria sobre o parto domiciliar, o que causou bastante repercussão. O médico-obstetra e professor da UNIFESP, Jorge Kuhn, foi entrevistado e defendeu o domicílio como um local seguro para o nascimento de bebês de mulheres saudáveis com gestações de baixo risco, segundo preconiza a própria Organização Mundial de Saúde.

No dia 11/06, dia seguinte à matéria, o CREMERJ publicou nota divulgando que fará denúncia ao CREMESP para punir o médico obstetra Jorge Kuhn por ter se posicionado favoravelmente ao parto domiciliar nas condições acima descritas.

O estudo mais recente publicado no British Journal of Obstetrics and Gynecology (2009) analisou a morbimortalidade perinatal em uma impressionante coorte de 529.688 partos domiciliares ou hospitalares planejados em gestantes de baixo-risco: Perinatal mortality and morbidity in a nationwide cohort of 529,688 low-risk planned home and hospital births. [http://www3.interscience.wiley.com/journal/122323202/abstract?CRETRY=1&SRETRY=0]. Nesse estudo, mais de 300.000 mulheres planejaram dar à luz em casa enquanto pouco mais de 160.000 tinham a intenção de dar à luz em hospital. Não houve diferenças significativas entre partos domiciliares e hospitalares planejados em relação ao risco de morte intraparto (0,69% VS. 1,37%), morte neonatal precoce (0,78% vs. 1,27% e admissão em unidade de cuidados intensivos (0,86% VS. 1,16%). O estudo concluiu que um parto domiciliar planejado não aumenta os riscos de mortalidade perinatal e morbidade perinatal grave entre mulheres de baixo risco, desde que o sistema de saúde facilite esta opção através da disponibilidade de parteiras treinadas e um bom sistema de referência e transporte.

Em repúdio à decisão arbitrária dos Conselhos de Medicina em punir profissionais que compreendem como sendo da mulher a decisão sobre o local do parto, foi idealizada a MARCHA DO PARTO EM CASA. Entre as reivindicações, além da defesa pelo direito à liberdade de escolha, pela humanização do parto e nascimento e pela melhoria das condições da assistência obstétrica e neonatal no país, também está a denúncia às altas taxas de cesarianas que posicionam o Brasil entre os primeiros do ranking mundial há muitos anos.

MARCHA DO PARTO EM CASA NO RIO DE JANEIRO

Local: Praia de Botafogo, altura do IBOL - Passeata até o CREMERJ (Rua Farani) - Rio de Janeiro - RJ
Data: 17 de Junho, domingo
Horário: 10h da manhã
Contatos: Ingrid Lotfi (21) 9418-7500


Núcleo Carioca de Doulas estará em peso na Marcha! Venha encontrar com a gente domingo!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Repúdio à iniciativa do CREMERJ de denunciar Jorge Kuhn por apoiar o parto em casa

Não é possível que o CREMERJ consiga ter algo, uma coisa sequer, contra Jorge Kuhn. Conheço-o ao vivo, de eventos, encontros, palestras sobre assistência humanizada ao nascimento, onde estivemos ambos, de depoimentos (muitos) de mulheres que pariram com ele dando assistência, e não há nenhuma atitude ou palavra que possa denegrir sua imagem e sua atuação como médico obstetra...
Coloco-me cada vez mais terminantemente contra a maneira como a medicina em geral (veja bem, EM GERAL) é exercida nesse país, principalmente no que diz respeito à assistência ao parto.

Jorge Kuhn, estamos com você!!!

Uma  referência à iniciativa do CREMERJ de denunciar Jorge Kuhn por seu apoio ao parto domiciliar pode ser encontrada aqui: http://www.jb.com.br/rio/noticias/2012/06/11/cremerj-abrira-denuncia-contra-medico-que-defende-parto-domiciliar/.


"Neste momento em que mais uma vez o CREMERJ dá provas de sua atitude arrogante e persecutória, desprezando todas as evidências que corroboram a segurança e as vantagens do parto domiciliar e tentando denegrir publicamente o colega Jorge Kuhn, além de coibir a liberdade de expressão, conclamo todos os amigos e simpatizantes da Causa, entre os quais TODOS OS MÉDICOS, vários renomados especialistas e famosos internacionalmente que assinaram o nosso manifesto por um debate cientificamente embasado sobre o parto domiciliar, para divulgar o nosso PROTESTO contra essa denúncia absurda.

Melania Amorim 
CRM-PB 5454 
CREMEPE 9627"

Texto da Ana Cristina Duarte sobre o trabalho, e a importância do Jorge Kuhn no caminho da humanização do nascimento neste país, e na vida de tantas de nós:

"Foi em 2003 que eu, doula naquela época, e Debora Regina Magalhaes Diniz, grávida de seu primeiro filho, sentamos no pequeno consultório dele, pra lá de Santo Amaro. Ela estava decidida a ter um parto normal e ele foi o único médico na cidade que se dispôs a aceitar que ela tivesse de parto normal seu filho Pedro, que estava sentado. 

Jorge Kuhn ouviu a história de Debora, emocionou-se e aceitou o caso. Valores? Não eram importantes, tanto fazia. Ele não estava acostumado a encontrar mulheres querendo tomar posse de seus partos. Semanas depois Debora pode finalmente dar à luz Pedro, num intenso e emocionante parto normal. Foi nosso primeiro atendimento em conjunto.

De lá para cá eu já tive a honra e o prazer de acompanhar esse parteiro em tantos partos, que nem posso mais contar. Também não posso mais contar o número de vezes em que o vi sair furtivamente da sala após mais um nascimento emocionante, com os olhos cheios de lágrimas. Perdi a conta igualmente do número de mulheres que eu ouvi relatarem esses partos emocionadas e embargarem suas vozes ao se referir a ele, o parteiro que lhes deu a mão, a voz e o poder.

Eu já o vi em ação, já o vi tomar decisões importantes, já assisti a maestria de suas mãos em cirurgias emergenciais, assim como vi suas mãos cruzadas sobre o colo por horas e horas, aguardando o ritmo de cada mulher, de cada bebê. Já o vi salvar vidas. Eu assisti suas aulas, e vi paixão naqueles olhos germânicos. Vi os olhos apaixonados olharem para sua esposa Esmerinda e para seus filhos. Vi aqueles enormes braços segurando minúsculos bebês com a delicadeza de um pássaro. Perdi a conta de quantas vezes vi aquelas mãos gigantes receberem com gentileza desmesurada os bebês tão delicados, sem pressa, sem força, sem medo. Firme e sutilmente, recebendo cada criança como se fosse sua própria.

Eu estava lá e eu o vi sussurrar palavras de incentivo, abraçar pais, olhar mulheres nos olhos e dizer: eu sei que você consegue, você consegue minha querida!

Ele me ensinou quase tudo o que eu sei de obstetrícia e quase tudo o que eu sei sobre responsabilidade, ética e profissionalismo. Com ele aprendi a preencher prontuários, partogramas, cartões e receitas. Com ele aprendi a distinguir os 90% normais dos 10% anormais. 

Com ele me fortaleci como parteira, e com ele vi inúmeras mães se fortalecerem como mulheres poderosas e capazes.

Jorge Kuhn ficará sempre, não importa a ira dos Conselhos, como o maior exemplo de médico que já tive em minha vida. Por mais que o persigam, ninguém jamais tirará desse homem o seu verdadeiro título: Médico com M maiúsculo.

Ana Cristina Duarte - Junho/2012"

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Pesquisa revela violência contra mulher durante o parto...

Teste da Violência Obstétrica - Divulgação dos Resultados

Uma pesquisa divulgada no fim de maio avaliou o atendimento obstétrico recebido por quase duas mil gestantes no Brasil. As mulheres partilharam suas experiências e o resultado revelam os maus tratos mais comuns sofridos por elas. O estudo, intitulado “Teste da Violência Obstétrica”, acompanhou mães que tiveram filhos por cesariana, parto normal, em casa e emhospitais privados e públicos, e foi feito coletivamente por mais de 70 blogs.

O resultado mostra a conduta dos profissionais de saúde que atendem as gestantes no momento do parto. “Tivemos relatos de todo tipo de violência obstétrica, como negligência, abuso verbal, físico e sexual”, afirma a jornalista e mestranda de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), Ana Carolina Franzon, uma das coordenadoras da pesquisa.

“Cheiro de churrasco”

A pesquisa mostra que 21% das parturientes ouviram comentários irônicos em tom depreciativo por parte da equipe médica que as assistiam. Uma das participantes relata que os profissionais fizeram comentários “sobre o cheiro de churrasco da minha barriga durante a cesariana”. Em outro relato, a mulher afirma que uma das profissionais da equipe médica reclamou por ter de auxiliar o parto no momento do jogo de futebol do seu time. Segundo Ana Carolina, a violência verbal foi apontada como a mais cometida pelos médicos.

“Não temos dúvida de que alguns profissionais desrespeitam as mulheres no momento do parto. Infelizmente isso acontece, mas não deveria. Na maioria das vezes falta um acolhimento da gestante, que passa por um momento importante e único da sua vida”, afirma Coríntio Mariani Neto, obstetra presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) e diretor da Maternidade Leonor Mendes de Barros.

Angústia

A pesquisa também revela que 38% das mulheres se sentiram angustiadas nas primeiras semanas após o parto. Metade delas acredita que os sentimentos que tiveram logo depois de ir para casa com o bebê foram influenciados pela maneira como o parto ocorreu.

A psicóloga Karla Rapaport Goldenberg atende a gestantes e mulheres no pós-parto e afirma que as que sofrem violência obstétrica se sentem vítimas e não protagonistas de um momento especial em sua vida. “Ela fica insegura para cuidar de uma criança, já que sente que não conseguiu cuidar de si mesma. A violência sofrida pode contribuir para que ela se sinta angustiada e triste. Além disso, pode surgir aversão a médicos, hospitais ou mesmo ao ato sexual, já que partes íntimas da mulher são manipuladas durante o parto com relativa frequência.”

“A parturiente não espera ser recebida em um ambiente cheio de amores, no qual todos a parabenizem e sorriem para ela. Mas ela espera ser tratada com respeito, como uma mulher em trabalho de parto que em alguns minutos será mãe”, ressalta a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo.

A primeira semana

Apesar das participantes da pesquisa terem estabelecido uma relação direta entre os sentimentos negativos na primeira semana com o bebê e o tratamento recebido na maternidade, outros fatores devem ser considerados como possíveis estopins para essa situação.

Aline Melo, psicóloga especialista em psicologia social, diz que muitas gestantes têm uma grande expectativa com relação ao momento do parto e não se preparam para o pós-parto. “Cerca de 80% das mulheres apresentam o que se chama de ‘tristeza materna’, causada pela alteração hormonal própria do pós-parto.

As primeiras semanas com um bebê em casa são propícias para mudanças de humor por conta não só da alteração hormonal, mas também porque as mães enfrentam noites em claro e passam por um período de adaptação com a amamentação, lembra Aline.

“Existe um fenômeno de depressão no pós-parto que é um processo fisiológico, mesmo que o parto tenha sido excelente. Mas não há dúvidas de que não ter uma boa assistência no parto tem consequências ruins para a mulher”, afirma Corintio Mariani Neto.

Outros dados revelados pela pesquisa “Teste da Violência Obstétrica”:

  • 82% das mulheres estavam respondendo a pesquisa com base no parto do primeiro filho.
  • 56% tiveram seus filhos em hospitais particulares através do convênio; 26% em hospitais públicos; 12% em hospitais particulares; 4% em casa; 3% em casas de parto.
  • 35% das mulheres entrevistadas tinham de 25 a 30 anos; 27% de 20 a 25 anos; 23% de 30 a 35 anos.
  • 53% das gestantes declararam ter sido compreendida, amparada e tratada com respeito.
  • 12% das entrevistadas disseram que os profissionais de saúde fizeram piadas sobre o comportamento delas.
  • 9% disseram que os médicos e enfermeiros mandaram a parturiente parar de gritar.
  • 43% das mulheres se sentiram seguras e à vontade durante todo o processo de internação para o parto.
  • 37% das gestantes sentiram medo pela sua própria saúde ou a do bebê.
  • 45% das parturientes foram informadas e consultadas sobre todos os procedimentos realizados.
  • 24% disseram não ter conhecimento prévio ou não ter consentido a necessidade da realização da episiotomia (corte na vagina no momento que o bebê está nascendo).
  • 23% declararam não ter conhecimento prévio ou não ter consentido com a administração de ocitocina (remédio usado para acelerar o trabalho de parto).

LEIA AS INFORMAÇÕES COMPLETAS DO ESTUDO AQUI:

http://www.cientistaqueviroumae.com.br/2012/05/teste-da-violencia-obstetrica.html