segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Analgesia farmacológica no trabalho de parto: quando e como

(Texto de Carla Andreucci Polido, em 20 de março de 2014 - publicado no Facebbok dela.)
  
A analgesia farmacológica durante o trabalho de parto e parto é recurso fundamental para a assistência obstétrica de qualidade. Como a maioria das intervenções em obstetrícia, no entanto, ela é com frequência mal utilizada. Mulheres que não necessitariam do procedimento, nem o solicitaram, são submetidas ao bloqueio regional, enquanto mulheres para as quais a analgesia faria diferença na via de parto vaginal ou operatória, não tem acesso a ela.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), o Ministério da Saúde do Brasil (MS), bem como as melhores evidências científicas disponíveis, recomendam que se esgotem métodos não farmacológicos para controle de dor durante o trabalho de parto, antes de oferecer analgesia medicamentosa às parturientes. Desta forma, admissão em fase ativa do trabalho de parto (acima de 6 cm de dilatação), livre deambulação em fase ativa, alimentação à vontade, presença de acompanhante à escolha da mulher, apoio contínuo intraparto, massagens, banhos de chuveiro, imersão em água, acupuntura, respeito à privacidade, limitação de toques vaginais, oferta de cadeiras de parto verticalizadas, são possibilidades a serem exauridas durante toda a assistência.

Ainda assim, algumas mulheres precisarão de medicamentos para controle da dor.

Quais as melhores escolhas, tanto em técnica quanto em medicações?

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que não há grau de dilatação ou fase do trabalho de parto que determine o uso de medicamentos durante o TP. A necessidade do controle da dor é individual, e deve ser tratada de forma específica, caso a caso. Dependendo da fase do TP ou da dilatação cervical, a técnica de analgesia pode variar. Mas a solicitação da analgesia é de propriedade da parturiente, e não de seu cuidador.

Em segundo lugar, o uso da analgesia farmacológica está associado a um aumento da necessidade de parto instrumental (fórcipe ou vácuo), e também da duração do trabalho de parto (em média 1 hora e meia a mais). Ou seja, como qualquer intervenção, implica em alterações da fisiologia do processo, e portanto deve realmente ser utilizada quando necessária.

Infelizmente, no Brasil, grande parte das maternidades tanto da rede pública como de convênios não oferecem analgesia nem sem medicamentos, quanto mais farmacológica durante o parto.

Outra reflexão importante é que há várias técnicas e diversos tipos de drogas que podem ser utilizadas para controle da dor, e a utilização de cada técnica ou medicamento deve ser individualizada para cada parturiente. Essa é a tarefa de um anestesiologista.

A dor sem controle tem impacto no bem estar materno, e também no fetal. Há aumento do consumo de oxigênio, hiperventilação com alcalose respiratória, aumento da pressão sanguínea e declínio da perfusão placentária, perda da coordenação da contratilidade uterina, e pode desencadear transtorno de stress pós-traumático no puerpério.
Abordagens farmacológicas para controlar a dor do parto podem ser sistêmicas ou loco-regionais. A administração sistêmica inclui as vias endovenosa, intramuscular e inalatória. Técnicas regionais (neuroaxiais) consistem de peridurais, raquidianas e combinadas, e são as modalidades mais populares para analgesia de parto.

Analgésicos sistêmicos são úteis para parturientes que prefiram técnicas menos invasivas, ou em quem técnicas regionais são contra-indicadas, ou não são uma opção devido à falta de disponibilidade de profissionais qualificados. Os mais populares são os opióides (morfina, fentanil, meperidina). Os opióides exercem os seus efeitos no cérebro materno, embora uma porção da dose também atravesse a placenta e atinja o feto. Isto se manifesta no útero pela alteração da freqüência cardíaca fetal (bradicardia) e depressão respiratória no recém-nascido.

Em parturientes, os opióides sistêmicos como meperidina (Dolantina) produzem alívio por induzir sonolência, ao invés de produzir analgesia em si. Em um estudo de morfina e meperidina, a administração intravenosa repetida resultou no aumento de escalas de sedação em parturientes, com pouca mudança nos escores de dor.

Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados dobre uso de opióides parenterais para o alívio da dor do parto concluiu:
● A satisfação com o alívio da dor fornecido por opióides durante o trabalho foi baixa, e apenas um pouco melhor do que o placebo (29% contra 17%, p = 0,04). Não houve evidências de que qualquer opióide foi significativamente mais eficaz do que a meperidina, que está amplamente disponível e é barata.
● A analgesia peridural proporcionou melhor alívio da dor do que os opióides parenterais. No entanto, os opióides foram associados a uma redução do tempo de trabalho e menor necessidade de ocitocina.
● Náuseas, vômitos e sedação foram efeitos colaterais maternos comuns. A depressão respiratória é a principal preocupação neonatal; investigação adicional é necessária em relação a possíveis efeitos em longo prazo.

O uso da meperidina tem caído em desgraça nos Estados Unidos e há um movimento para substitui-lo por analgésicos opiáceos mais eficazes e menos tóxicos, por causa de seus efeitos colaterais. A meperidina atinge uma concentração máxima no feto entre duas e três horas após a administração. Como resultado, o recém-nascido deve nascer dentro de uma hora ou mais de quatro horas depois de sua administração, o que é impossível controlar. Além disso, a droga metabolizada ainda tem atividade farmacológica e meia - vida prolongada em recém-nascidos (2,5 dias), portanto, pode afetar o comportamento neonatal e gerar dificuldades para amamentação. Há novos analgésicos opióides em teste, mas são necessários mais estudos para aperfeiçoar a metodologia para a sua administração segura.

A analgesia inalatória para a dor do parto tem sido comumente usada há décadas na Grã-Bretanha, Escandinávia, Austrália, Canadá e outros países, mas raramente nos Estados Unidos, e consiste numa mistura de 50% de óxido nítrico e 50% de gás oxigênio. A parturiente auto-administra o gás anestésico, conforme necessário, usando uma máscara de mão. Cronometrar corretamente cada inalação é importante, porque analgesia leva até 50 segundos para fazer efeito, assim o pico da analgesia ocorrerá fora de fase com as contrações uterinas. Devido ao intervalo de tempo para o óxido nitroso entrar em ação, a inalação deve começar cerca de 30 segundos antes de a contração começar. Isso torna a utilização de óxido nitroso particularmente difícil durante a segunda fase do TP, porque pode atrapalhar os puxos espontâneos.

O óxido nitroso é eliminado rapidamente através dos pulmões, e portanto não se acumula na mãe ou do feto / neonato. Uma vantagem adicional é que ele não afeta a atividade contrátil. Contudo, sistemas de oximetria de pulso e de exaustão de gás são essenciais durante a sua utilização. A eficácia analgésica de óxido nitroso para o trabalho de parto não é clara. As revisões sistemáticas mostram que a substância alivia a dor do parto de forma significativa na maioria das parturientes, mas não fornece analgesia completa para muitas. Para mulheres que optam por evitar analgesia neuroaxial ou para aquelas que não têm acesso a ela, o óxido nitroso pode fornecer um meio alternativo para alcançar algum alívio da dor.

Técnicas neuroaxiais proporcionam alívio da dor sem igual para o trabalho de parto. Nos Estados Unidos, raquidiana e epidural são usadas por mais de 70% das mulheres que parem em hospitais com mais de 1.500 partos por ano. O que com certeza é um exagero, uma vez que só a presença da doula diminui em 50% a necessidade da analgesia farmacológica.

Anestésicos locais, como bupivacaína ou ropivacaína, administrados por via peridural utilizando bombas de infusão contínua, fornecem analgesia de parto segura e eficaz. Em concentrações mais baixas de anestésicos locais, para maior eficácia sem prejuízo da habilidade para movimentação ou percepção de puxos, podem ser combinadas com outros analgésicos, mais comumente opióides.

Opióides neuroaxiais isolados, se administrados pela via intratecal ou epidural , também fornecem excelente analgesia precoce para a primeira fase do trabalho de parto. Uma abordagem popular é administrar uma combinação de anestésico local e opióide por infusão epidural contínua ao longo do trabalho de parto. A maioria dos anestesistas usam opiáceos sintéticos relativamente lipossolúveis (fentanil ou sufentanil) para reduzir a alta incidência de efeitos colaterais observados com morfina epidural.

Bombas de infusão são usadas para facilitar a administração contínua da droga epidural. Um regime típico inclui uma dose de carga de 10 a 20 mL, seguida por uma infusão horária de 5 a 10 mL. Se é usada a analgesia epidural controlada pelo paciente (PCEA), a parturiente pode auto-administrar doses em intervalos definidos.

Técnicas espinhais (raquidianas) ou combinadas (raqui-peridural) também podem ser usadas para aliviar a dor do parto. Analgesia intratecal com opióides por si só (sufentanil ou fentanil) durante o trabalho de parto precoce permite deambulação, porque opióides espinhais não têm efeito sobre a força muscular. A abordagem intratecal também é útil para as contrações dolorosas do final do primeiro estágio ("transição") , porque o início da analgesia é mais rápido do que com a abordagem epidural. Analgesia para a dor relativamente grave da transição pode ser conseguida de forma mais confiável através da combinação de uma pequena dose de anestésico local com um opióide.

Em comparação com as técnicas epidurais, as técnicas espinais têm um início mais rápido: a mulher fica tipicamente confortável dentro de cinco minutos. No entanto, o alívio da dor é de duração relativamente curta, cerca de 90 minutos. Isto porque os cateteres para a administração de doses adicionais de analgésicos geralmente não são inseridos no espaço intratecal. Portanto, se o parto não é iminente, uma técnica combinada é preferível.

Em comparação com técnicas epidurais de baixa dose, a administração espinal de opióides está associada a maior incidência de bradicardia fetal e prurido. A bradicardia fetal está associada à hipertonia uterina, e postula-se que seja devida a desequilíbrio das catecolaminas. Há diminuição aguda dos níveis de adrenalina com a perda de efeito tocolítico de epinefrina, e aumento relativo do efeito uterotônico de norepinefrina. Esse efeito não é tão provável de ocorrer com a analgesia peridural, que tem um início mais lento de ação do que a analgesia espinhal.

A administração espinal de anestésicos locais também pode induzir hipotensão materna devido a simpatectomia, mas doses menores de anestésicos locais devem reduzir essa probabilidade. No entanto, a hipotensão materna também pode ocorrer após a administração intratecal isolada de opióides, presumivelmente devido ao rápido início de alívio da dor, e uma diminuição aguda em níveis circulantes de catecolaminas.

Se uma técnica epidural contínua ou de analgesia controlada pelo paciente peridural (PCEA) é utilizada para a primeira fase do trabalho de parto, o volume da solução de infusão é muitas vezes suficiente para produzir a analgesia sacral necessária para a segunda fase.

O ideal é que a parturiente mantenha a força motora e sensação de pressão durante o expulsivo, e a infusão peridural continue a agir durante o parto. No entanto, se o bloqueio motor é muito intenso ou se os puxos não são percebidos, a infusão pode necessitar ser interrompida temporariamente ou diminuída.

Alguns obstetras preferem interromper a analgesia peridural no final do trabalho de parto, na esperança de diminuir a probabilidade de parto instrumental. Uma revisão sistemática sobre este assunto comprova a eficácia desta prática, mas mostrou que a interrupção analgesia epidural aumenta a taxa de alívio inadequado da dor.
Há situações em que a analgesia neuroaxial não é iniciada até o expulsivo. A parturiente pode não ter desejado a analgesia farmacológica mais cedo, ou o traçado da frequência cardíaca fetal ou sua posição podem exigir parto instrumental (fórceps ou vácuo). O início da analgesia epidural é possível neste momento, mas a latência prolongada pode fazer esta escolha menos desejável do que uma técnica espinhal.

Bloqueio de nervo pudendo bilateral é útil para aliviar a dor decorrente de distensão vaginal e perineal durante o segundo estágio do trabalho e parto. Eles podem ser utilizados como um suplemento para a analgesia epidural se os nervos sacrais não são suficientemente anestesiados.

Complicações obstétricas ocorridas durante a segunda fase do trabalho de parto (distócia de ombro ou cabeça derradeira na apresentação pélvica) podem requerer intervenção anestésica urgente. Pode ser necessária uma anestesia geral.

Conhecendo, portanto, técnicas e opções de drogas, a analgesia farmacológica pode representar uma alternativa mais segura a uma parturiente que não ficou confortável apenas com métodos não farmacológicos. A cesariana implica em maior morbimortalidade materna e neonatal, portanto um parto vaginal é sempre preferível a uma grande cirurgia.

Infelizmente, a grande maioria das brasileiras não tem acesso ao modelo ideal de assistência obstétrica, que deveria incluir oferta de apoio contínuo e os demais recursos, mas também a melhor analgesia medicamentosa para ela, individualmente, quando necessária.


Referências:


Nenhum comentário: