(c) 2012 Alice Dreger, conforme publicado originalmente
em TheAtlantic.com
Então por que será que, passada mais de uma década, em
que as evidências continuam favorecendo um tipo de assistência baixo em intervenções
durante gestações e partos de baixo risco, nós praticamente não avançamos na
busca por partos mais científicos nos Estados Unidos?
Fiz essa pergunta a alguns acadêmicos que se debruçam
sobre essa questão. Uma delas, Libby Bogdan-Lovis,
do Centro de Ética e Humanas nas Ciências da Vida da Universidade Michigan
State, por acaso também foi minha doula. (Dei sorte.) Libby comentou que uma
grande parte do problema é a forma como o parto é concebido nos Estados Unidos
– como “perigoso, arriscado, e que precisa ser controlado para garantir um bom
desfecho”.
Libby acrescenta que limitações institucionais contribuem
para o problema: “As seguradoras geralmente cobrem parto hospitalar, não
domiciliar, elas estão mais inclinadas a remunerar médicos do que parteiras,
bonificam médicos e enfermeiras obstétricas hospitalares quando fazem algo (e
não quando deixam de fazer algo), e a abordagem do sistema de saúde com relação
ao gerenciamento de risco apoia aqueles que demostraram fazer todo o possível
em se tratando de intervenções”. Tudo isso apesar do fato que “tentativas de
controlar o parto estão sujeitas a riscos iatrogênicos reais e comumente
resultam em uma cascata de intervenções”, comenta Libby.
Raymond De Vries,
um sociólogo do Centro de Bioética e Ciências Sociais em Medicina da
Universidade de Michigan, comparou o parto nos EUA com o parto na Holanda,
onde atua atualmente como professor visitante na Universidade de Maastricht.
Ele percebe que, nos EUA, “os obstetras são os especialistas e os especialistas
passaram a enxergar o parto como perigoso e assustador”. De Vries sugere que a
organização dos cuidados maternos em seu país – “as escolhas limitadas que as
mulheres americanas têm para dar à luz a seus bebês, o que não lhes é dito
sobre o perigo de intervir no parto, e o mau uso da ciência para defender as
novas tecnologias no parto” – na verdade constitui um problema ético, embora
não o reconheçamos como tal. Especialistas em ética médica “preferem estudar os
problemas [relativamente raros] da fertilização in vitro e do diagnóstico
genético pré-implantação a olhar para as questões cotidianas referentes à
organização do parto aqui nos EUA; eles
preferem falar sobre a preservação das ‘escolhas’ das mulheres ao invés de
explorar como essas escolhas são dobradas pela cultura”.
Quanta verdade. Especialistas em ética adoram falar sobre
as escolhas das mulheres com relação ao parto como se as escolhas fossem
informadas e autônomas, mas não sou capaz de contar quantas mulheres me
disseram que “escolheram” analgesia durante o parto mesmo quando nunca foram
informadas sobre os riscos da analgesia, nunca ouviram ninguém expressar
confiança em sua habilidade de parir sem medicamentos, e nunca foram oferecidas uma doula para
orientá-las e apoiá-las no momento da dor. Que tipo de “escolha” é essa? Como
me disse a Libby Bogdan-Lovis: “A típica gestante de hoje acha que a noção de
um parto sem medicamentos [analgesia] equivale a sugerir que as mulheres deveriam
ficar felizes em aceitar a tortura”.
De todas as escolhas que eu fiz, acho que a que mais
chocou os meus contemporâneos foi a decisão de não fazer uma ultra. Acontece
que apenas alguns anos antes de eu engravidar,
um importante estudo norte-americano – envolvendo mais de 15 mil gestações – publicado no New England Journal of
Medicine demonstrou que ultrassonografias de rotina não contribuíam para
melhorar a saúde dos bebês. O trabalho foi conduzido por Bernard Ewigman,
atual chefe do departamento de medicina de família do Sistema de Saúde
Universitária de NorthShore e da Universidade de Chicago.
Recentemente liguei para o dr. Ewigman e lhe perguntei
por que tantas gestações de baixo risco hoje incluem ultrassonografias de
rotina. Ele acredita que, em parte, é emocional – as pessoas gostam de “ver”
seus bebês – e em parte tem a ver com a crença infundada de que saber algo
necessariamente resulta em desfechos melhores comparado a não saber. Mas ele
concordou que ultrassonografias de rotina no pré-natal, para gestações de baixo
risco (ou seja, em gestações em que não surgiram problemas), não aparentam ser
fundamentadas pela ciência, se o desfecho desejado é reduzir doenças e morte em
mães e crianças. Ultrassonografias de rotina não parecem ser perigosas, mas também
não propiciam a saúde.
O dr. Ewigman me disse o seguinte: “A abordagem que você
escolheu dar à sua gravidez foi racional e bem informada. Mas grande parte das
decisões de cunho médico envolvendo a gestante ou o bebê não é bem informada
nem baseada em pensamentos racionais”. E ainda acrescentou: “Todos estamos
muito interessados em ter bebês saudáveis e é bastante fácil cometer o tipo de
erro cognitivo que as pessoas cometem, e atribuir à tecnologia benefícios que
não existem. Ao mesmo tempo, quando surgem problemas durante a gravidez, aquela
mesma tecnologia pode salvar vidas. É fácil fazer o [problemático] salto
[mental] de que a tecnologia sempre será necessária para um bom desfecho”.
Nós conversamos também sobre como algumas pessoas auferem
uma falsa sensação de certeza com as ultras, achando que o bebê nascerá em
perfeita saúde caso o médico não veja nada fora do comum ali. Expliquei que
essa foi uma das razões pela qual abri mão das ultrassonografias; com base nas
minhas próprias pesquisas sobre anomalias congênitas, eu sabia o quanto as
ultras enganam. O dr. Ewigman observou que nossa cultura tem “um verdadeiro
fascínio pela tecnologia, e também temos um forte desejo de negar a morte. E os
aspectos tecnológicos da medicina se vendem muito bem nesse tipo de cultura”.
Ao passo que uma abordagem aos cuidados médicos com poucas intervenções – não
importa quão científica ela seja – não.
Em se tratando de escolhas no parto, eu não me oponho a
levar em consideração os tipos de desfechos difíceis de mensurar que podem ser
de grande valor para algumas gestantes. Eu entendo que há mulheres que não
querem um chá de bebê como o meu, em que os presentes em sua maioria eram
roupinhas amarelas e verdes, em vez de azuis e cor-de-rosa. Entendo que tem
gente que quer aquelas imagens difusas do bebê dentro de seu útero. Eu entendo
que algumas podem optar por um aborto caso a ultra revele uma grande anomalia.
E eu entendo que algumas mulheres querem uma experiência
particular de parto – quero dizer, eu realmente entendo isso, agora que tive um
parto que me fez sentir mais poderosa, mais humilde, mais focada e mais
apaixonada pelo meu amado do que eu jamais imaginara.
Mas eu gostaria que as mulheres americanas ouvissem a
verdade sobre o parto – a verdade sobre os seus corpos, suas habilidades, e os
perigos por trás da tecnologia. Acima de tudo, gostaria que todas as grávidas
escutassem o que Libby Bogdan-Lovis, minha doula, disse para mim: “Parir um
bebê requer a mesma entrega de controle que o sexo – abandonar-se para a
sensação avassaladora e fazê-lo num ambiente em que há proteção e apoio”. Quem
dera que mais mulheres soubessem o quão sensual um parto científico pode ser.
(c)2012
Alice Dreger, as first published on TheAtlantic.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário