Por que tantas mulheres letradas e inteligentes estão
escolhendo dar à luz de forma mais natural, defendendo o tal “parto
humanizado”? É sensato (ou científico) abrir mão do hospital chique com
hotelaria cinco estrelas e o médico “de confiança” para ser assistida por uma
parteira (enfermeira obstétrica ou obstetriz), em casa ou num centro de parto
normal, considerando todo o conforto que a tecnologia nos oferece? Afinal, se a
medicina e a ciência evoluíram tanto, salvando hoje muito mais vidas do que no
passado, por que não usufruir da tecnologia também no parto e nascimento?
Essas são perguntas que permeiam o imaginário das pessoas
que deparam com as escolhas não convencionais de amigas ou parentes e também de
quem está adentrando o universo do parto humanizado (por gravidez, planos de
iniciar uma família ou por mera afinidade com o tema).
É para vocês que resolvi traduzir o maravilhoso artigo
da Alice Dreger, professora do Programa
de Bioética e Humanas Médicas [em inglês, Medical Humanities, uma área
interdisciplinar que envolve ciências humanas e artes, e como aplicar esses
saberes na prática da medicina] da Faculdade de Medicina da Universidade
Northwestern, publicado originalmente no The Atlantic, em março de 2012.
Através de sua história pessoal e de sua bagagem teórica, ela consegue resumir
com franqueza e lucidez as razões por trás de suas escolhas “não ortodoxas”
(especialmente considerando o seu cargo de professora de um departamento de
medicina!). Recomendo também uma visita a seu site
(http://alicedreger.com/home.html), onde ela discute vários outros assuntos
relacionados a bioética, gênero e evidências científicas aplicadas à pratica da
medicina. Sem mais, o artigo:
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O parto mais científico costuma ser o parto menos
tecnológico
(c) 2012 Alice Dreger, conforme publicado originalmente
em TheAtlantic.com.
Quando peço para meus alunos de medicina descreverem como
eles imaginam uma mulher que escolhe uma parteira ao invés de uma obstetra para
acompanhar seu parto, em geral eles descrevem uma mulher que usa saias
compridas de algodão, tem tranças no cabelo, come alimentos orgânicos veganos,
pratica yoga e dirige uma kombi. O que não imaginam é a cientista onívora, de
calça comprida, bem diante de seus olhos.
Aliás, eles ficam completamente perdidos quando explico
que na verdade só existe uma razão pela qual eu e meu companheiro – médico
(clínico) e professor universitário – optamos por deixar de lado nosso obstetra
e passar a nos consultar com uma parteira: podíamos confiar na capacidade da
parteira de ser científica, mas não na do nosso obstetra.
Muitos alunos de medicina, como a maioria dos pacientes
americanos, confundem ciência e tecnologia. Acham que ser um médico científico
significa fazer uso do máximo de tecnologia em cada paciente. E isso os torna
perigosos. De fato, se você for olhar estudos científicos sobre parto, você
verá estudo após estudo mostrando que muitas intervenções tecnológicas aumentam
os riscos para mães e bebês em vez de diminuí-los.
E no entanto a maioria das parturientes parece
desconhecer esse fato, mesmo que os seus obstetras estejam cientes.
Paradoxalmente, essas mulheres parecem querer o mesmo que eu queria: um
desfecho seguro para mãe e filho. Mas parece que ninguém diz a elas qual o
melhor caminho para chegar até isso, segundo o que indicam os dados
científicos. A amiga que ousa oferecer meia taça de vinho é tida quase como uma
criminosa, uma ameaça ao bem estar do outro, enquanto o obstetra que oferece
procedimentos desnecessários e arriscados é considerado um herói.
Quando engravidei em 2000, eu e o meu parceiro
consultamos a literatura médica científica para descobrir como maximizar a segurança para mim e para nosso filho. Eis o que descobrimos com os estudos disponíveis: eu deveria caminhar bastante durante a
gravidez, e também durante o trabalho de parto; caminhar diminuiria a duração e
a dor do parto. Durante a gestação, eu deveria fazer check-ups frequentes para
checar meu peso, minha urina, minha pressão arterial e o crescimento da minha
barriga, mas deveria evitar exames de toque. Não deveria me preocupar em fazer
um ultrassom se a minha gravidez continuasse de baixo risco, pois o exame teria
pouquíssimas chances de melhorar a minha saúde ou a saúde do bebê, e poderia
muito bem acarretar em outros exames e testes que aumentariam os riscos para
nós, sem nos trazer benefícios.
De acordo com os melhores estudos disponíveis, em se
tratando do momento do parto no fim da minha gravidez de baixo risco, eu não
deveria fazer uma indução, nem uma episiotomia, nem receber monitoração
contínua dos batimentos cardíacos fetais durante o trabalho de parto, e
certamente não deveria fazer uma cesárea. Eu deveria parir numa posição de
cócoras e eu deveria ter uma doula – uma profissional que dá apoio durante o
parto. (Estudos mostram que as doulas são surpreendentemente eficazes em
diminuir riscos; fazem isso tão bem que um obstetra chegou a dizer que se a
doula fosse um medicamento, seria ilegal não prescrevê-la para todas as
gestantes).
Em outras palavras, se os exames regulares e “low-tech”
continuassem a indicar que minha gravidez transcorreria de forma
desinteressante do ponto de vista médico, e se eu quisesse cientificamente
maximizar a segurança, eu deveria parir basicamente como fizeram as minhas
bisavós: com a atenção de duas mulheres experientes, que passariam a maior
parte do tempo esperando, enquanto eu fizesse o trabalho. (Há uma razão para
chamarem isso de trabalho de parto.) A única diferença realmente notável seria
que a minha parteira usaria um monitor cardíaco fetal (ou doppler) de forma
intermitente – de vez em quando – para garantir que o bebê estivesse bem.
(Fotografia de Valéria Ribeiro)
Meu obstetra e sua equipe deixaram claro que eles
ficariam um tanto desconfortáveis com esse tipo de parto “das antigas”. Então
nós fomos embora e passamos a tratar com uma parteira que se comprometia a ser
muito mais moderna. E o parto que eu tive foi basicamente como descrevi. Sim,
foi doloroso, mas minha doula e a parteira haviam me preparado mentalmente para
isso, me assegurando que esse tipo particular de dor não precisava resultar em
medo ou prejuízo.
Acabou que tivemos uma única intervenção tecnológica:
como havia mecônio no líquido (o que significa que meu bebê defecou no útero),
a parteira me explicou que logo após o nascimento, os pediatras o pegariam
imediatamente para aspirar suas vias aéreas (sua traqueia). O intuito era para
prevenir a pneumonia. Foi feito isso. Três meses mais tarde, no café da manhã,
meu marido me apresentou os resultados de um estudo controlado randomizado que
acabara de sair: mostrava que bebês nessa situação que só tiveram suas bocas
aspiradas (e não suas traqueias) apresentaram índices mais baixo de pneumonia
comparado a bebês que receberam esse procedimento de aspiração nas
traqueias. Mais uma intervenção que no
fim das contas não vale a pena.
Então por que será que, passada mais de uma década, em
que as evidências continuam favorecendo um tipo de assistência baixo em
intervenções durante gestações e partos de baixo risco, nós praticamente não
avançamos na busca por partos mais científicos nos Estados Unidos?
(c)2012
Alice Dreger, as first published on TheAtlantic.com.
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