Perfeita análise sobre a situação atual do que nós,
mulheres e nossas famílias, sentimos com relação ao parto no Brasil, em geral,
e como devem se sentir os profissionais de atendimento. Leiam.
Passou da hora de se sentirem magoados com os nossos
protestos e reclamações e com as ativistas!
O momento é de REVER SUA PRÁTICA! É
isso que esperamos e queremos!
"Eles estão muito bravos com o nome "Violência
Obstétrica". E com razão. Não é fácil você prestar uma assistência que
entende ser a melhor do mundo, a mais legal que existe, e depois ser chamado de
violento. Não é fácil você acreditar num procedimento como sendo o salvador dos
partos e das mulheres e de repente um bando de leigas vir contestar, sem nunca
na vida ter pisado numa sala de parto. E mais, desde quando as mulheres têm que
decidir o que é melhor para elas no parto, se nós estamos lá justamente para
salvá-las da morte?
O próprio termo "parto humanizado" é para
muitos extremamente ofensivo, pois faz crer que o que eles oferecem não é
humano.
Pois bem, passa da hora de mudarmos o disco da mágoa e
entender o que esse povo anda espalhando por aí. Aos médicos que querem
entender esses gritos e sair da zona de conforto, recomendo fortemente o livro
da Robbie Davis Floyd "Bith as an American rite of passage". Essa é a
base da compreensão. Ali a antropóloga faz uma análise da assistência médica ao
parto, destrinchando cada um dos procedimentos comumente oferecidos às mulheres
e bebês.
Quem não quiser ler inglês, recomendo "Memórias do
Homem de Vidro" de Ricardo Herbert Jones. Nessa obra o autor (médico
obstetra) explica a assistência moderna e o que as mulheres estão pedindo, do
ponto de vista da medicina, da antropologia e do consumidor. Leitura leve e
profunda ao mesmo tempo.
Vamos primeiro entender que é normal e comum a situação
em que uma pessoa diga "você foi violento" e o outro diga "não
fiz violência, eu estava cuidando de você". Muitas mulheres ao se deitarem
semi-nuas numa maca, com as pernas abertas, sendo examinadas por um ou mais
desconhecidos, tendo sua intimidade invadida, ao terem as suas vaginas cortadas
e re-costuradas, ao ouvirem frases do tipo "se você não parar de gritar eu
não vou te ajudar", entre outros problemas da assistência, podem ficar
profundamente traumatizadas. O trauma que ela carrega, apesar de não ter sido
propositadamente provocado por nós, é um fato, é uma sequela, é um drama com o
qual ela tem que viver.
Ainda que nós profissionais não possamos levar a alegria
e perfeita solução para 100% das mulheres, é importante que nós tenhamos
consciência do potencial risco de trauma por condutas que nós achamos
absolutamente normais. Ainda que ver uma mulher de pernas abertas semi-nua numa
maca seja algo corriqueiro e sem importância, é possível que aquela mulher
esteja ali sendo marcada a ferro e fogo em seu coração, para sempre.
É preciso acordar para o fato de que nem tudo o que nós
fazemos corriqueiramente é visto desta forma pela pessoa cuidada. Um exame de
toque feito de forma um pouco mais abrupta pode ser percebido pela mulher como
um estupro. Não é uma acusação, é um fato. Você está com pressa, você tem que
atender três gestantes de alto risco, dois partos acontecendo, falta material,
tem parente dando barraco na porta e aquela menina de 18 anos está ali,
vulnerável, assustada, sem acompanhante. Você tem 10 segundos para examinar
aquela menina. Tenha a consciência de que aquele simples exame de toque poderá
deixar marcas e sequelas para o resto da vida dessa moça. Nada poderá tirar
essa marca que você está prestes a deixar.
Nós podemos inclusive falar da violência que nós sofremos
nas instituições, nas relações profissionais, no sistema jurídico, no governo.
Mas nada justifica a violência que cometemos contra as mulheres sem nem ao
menos perceber. O primeiro passo é, portanto, compreender que sim, nós
profissionais da saúde podemos ser agentes de violência sem perceber. O segundo
é cuidar de cada mulher, de cada mãe, de cada bebê, como se fosse nosso
parente, nossa irmã, nossa mãe. Eu tenho certeza que se cada um cuidar de cada
mulher como se fosse de sua família, teríamos uma situação bem melhor nos
centros obstétricos.
Sem falar em todos os procedimentos que um dia nós
acreditamos serem necessários e que vão caindo um a um. Quantos de nós não
aprendemos que a lavagem intestinal era essencial à boa assistência? A
tricotomia? O corte imediato do cordão? A separação do bebê? Um a um esses
procedimentos vão caindo e é preciso abrir o coração para o que virá:
episiotomia, aspiração de vias aéreas, kristeller, valsvalva, litotomia. Se nós
não aceitarmos que nossa assistência pode melhorar, e que as evidências são
nossas aliadas e devem ser estudadas, para que mesmo que nos formamos numa área
em constante transformação?
Por fim quero lembrar que não estou falando de médicos.
Estou falando de todos os agentes de cuidados obstétricos, incluindo doulas,
enfermeiras, auxiliares e técnicas, obstetrizes, médicos, neonatologistas,
fisioterapeutas, fonoaudiólogas, todos! Sejamos cuidadosos e estudiosos.
Sempre. Não nos ofendamos quando ouvirmos queixas sobre nossa atuação. Em vez
de sentirmos mágoa, que possamos sentir curiosidade. Acho que temos sempre algo
a aprender!"
Por: Ana Cristina Duarte, no Facebook.
Por: Ana Cristina Duarte, no Facebook.
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