(por Ana Fialho, dedicado a Bernadette Bousada - ambas obstetras)
"Num país não tão distante, por motivos não tão claros, de
repente começaram a se fazer muitas colostomias. Fazer coco naturalmente tinha
riscos potenciais, hemorróidas, fissuras, doía... Algumas pessoas, coitadas, herdavam
geneticamente a dificuldade de fazer coco, outras pessoas não tinham nenhum
prazer no ato, outras ainda achavam que se perdia muito tempo da vida sentadas
na privada. Optavam então por colocar uma bolsa no fim do intestino e por ali o
coco sairia sem complicações.
Nesse país era tão frequente a cirurgia que os médicos
ficaram craques nela! Os resultados eram maravilhosos, poucas intercorrências,
na verdade a taxa de mortalidade era quase zero! Com o avanço na tecnologia
cirúrgica e farmacêutica, a dor do pós operatório e as infecções eram mínimas!
Ninguém mais questionava quando alguém escolhia nunca mais fazer coco na vida,
uma escolha informada, a pessoa é livre, o anus é dela e ela decide se quer
usá-lo ou não!
Com o tempo, a taxa de colostomia ultrapassou os 80%, a
minoria que ainda queria fazer coco era taxada de louca, irresponsável,
inconsequente. Como quase ninguém mais fazia coco, o evento, outrora cotidiano,
tornou-se assustador! Dava muito medo fazer coco. So se podia fazer coco com
ajuda de profissionais, muitas intervenções para auxiliar e claro em ambiente
hospitalar.
O medo era tanto que as complicações entre os fazedores
de coco aumentaram muito, taxas de hemorróidas, fissuras, até hemorragias
graves após o ato aumentaram vertiginosamente. Fora aquele cortezinho no anus
pra ajudar a sair o coco que inflamava, doia, dificultava os próximos cocos...
Mesmo com medicações, anestesia, cortes, fazer coco era muito difícil, tinha
que ser muito corajoso! Ouvi dizer até que a vizinha de uma prima que mora nesse
país morreu entalada porque quis forçar fazer coco de qualquer jeito, sem ajuda
de ninguém. Um horror.
Se essa história parece estranha, exagerada, se a
comparação com o parto te parece esdrúxula, é simplesmente porque a cesariana
para nós não é mais considerada uma cirurgia que substitui um evento
fisiológico. O parto não é mais considerado fisiológico e quem está perdendo
somos nós, mulheres, homens, crianças.
Viva o ânus! Meu corpo, minhas regras!"
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