Por: Gisele Leal, em Vila Mamífera.
Muitas mulheres morrem de pânico ao ouvir a palavra
mecônio. Mas afinal, o que é realmente
esse tão temido mecônio?
Assim que o tubo gastro-intestinal do feto está formado,
o bebê começa a ingerir líquido amniótico. Ingerir líquido amniótico é um
processo esperado e importante, primeiro porque o feto já vai colocando a
prova, todas as funções digestivas e excretórias, e segundo porque mantem o
tubo gastro-intestinal com a luz aberta .
Isso significa que, a partir de determinado momento na
gestação, o bebê urina no liquido amniótico e o engole com urina, com células
mortas, lanugo (pelos que cobrem o corpinho do feto), vernix (uma espécie de
cera protetora da pele do bebê). Todos esses compostos presentes no líquido
amniótico, formarão o mecônio dentro do intestino fetal que também será
eliminado a partir da maturidade do feto.
Alguns exames, como a amnioscopia, permitem ao
profissional que está assistindo a gestante, observar as características do
líquido amniótico antes do rompimento da bolsa, e por vezes detecta a presença
de mecônio. Entretanto, é muito comum que, (pasmem!), ao realizar a cesárea ou
romper a bolsa, o líquido esteja clarinho sem nenhum sinal de mecônio! Por isso
mesmo, a maioria dos profissionais que praticam a Medicina Baseada em Evidências
abrem mão da amnioscopia.
Portanto “fazer cocô na barriga” é perfeitamente
fisiológico, normal e esperado para um feto a termo.
Então porque, há tanto temor e tantas indicações de
cesáreas quando é detectada a presença de mecônio no liquido amniótico?
Existem classificações da presença desse mecônio, que vão
desde “uma cruz” até “quatro cruzes”. Quando o mecônio é fluido, ou seja,
existe mais liquido amniótico do que mecônio, os profissionais que assistem o
parto, classificam-no com “uma cruz”. Quanto mais escuro e menos fluido está o
mecônio, mais cruzes ele ganha.
Uma vez espesso (ou seja, quando a classificação do
mecônio ganha “quatro cruzes” e esse mecônio se assemelha a uma papa de
ervilha), caso o feto entre em sofrimento fetal durante o trabalho de parto, a
chance de ocorrer a aspiração do mecônio é grande, e um mecônio espesso pode
trazer consequências graves para o bebê, podendo leva-lo a óbito. Portanto, o
mecônio em si, não é o vilão e sim a quantidade reduzida de líquido amniótico,
insuficiente para diluir esse mecônio.
E porque há a diminuição do volume de líquido amniótico?
Existe uma diminuição fisiológica, normal e esperada da
quantidade de líquido amniótico ao final da gestação. Quanto maior o bebê,
menos espaço pra líquido amniótico haverá. Porém, algumas situações (raras)
podem causar a diminuição do líquido amniótico, como por exemplo, o não
funcionamento adequado da placenta, ou alguma anormalidade com os rins do feto, que ao urinar em menor
quantidade, passará então a produzir menor quantidade de líquido amniótico. E é
aí que o obstetra, ou profissional que está assistindo essa gestante, tem que
focar: Investigar o porque da diminuição anormal da quantidade de líquido
amniótico.
Conheço um caso de um bebê que foi pra UTI após “engolir”
mecônio
Nenhum bebê vai pra UTI por engolir mecônio. O máximo que
vai acontecer é esse bebê vomitar esse mecônio após nascer. Bebês vão pra UTI
porque aspiraram o mecônio. Enquanto está dentro do útero, o feto não respira
pelas vias aéreas, pois recebe oxigênio pelo cordão umbilical através da
circulação materna. Porém, quando os
níveis de oxigênio que chegam ao bebê não são suficientes, esse feto vai tentar
respirar para oxigenar seu sangue. Sendo assim, o foco da assistência deve ser em como está a
oxigenação e a vitalidade desse bebê e não na presença de mecônio.
Fatores que podem reduzir o aporte de oxigênio ao bebê
durante o trabalho de parto, e portanto provocar o reflexo de "gasping" (aspiração) são:
- Uso de ocitocina sintética de forma rotineira e sem
acompanhamento criterioso da ausculta fetal: o uso de ocitocina pode levar o útero
da mulher a contrair de forma anormal, prejudicando uma boa irrigação sanguínea
do útero e resultando na má oxigenação do feto.
- Manter a parturiente em posição litotômica (deitada):
Quando a mulher é mantida deitada, ou na posição ginecológica, todo o seu peso,
o peso do seu útero grávido com todo
conteúdo (bebê, líquido, placenta) pressiona a artéria uterina que está
localizada na região dorsal (costas), responsável por levar oxigênio ao útero e
ao feto.
- Cesariana: a cesárea, como qualquer outra cirurgia,
modifica todo padrão vital da mulher. A gestante é submetida a anestesia, fica
deitada e ainda tem o fator “tensão” que acaba refletindo em uma respiração
inadequada e portanto uma má oxigenação do útero e do feto. Além disso, ainda
temos que considerar que o bebê ao ser manipulado bruscamente durante sua
extração na cesárea, pode a aspirar o líquido amniótico. Soma-se a isso o fato
do bebê não passar pelo canal de parto, e não sofrer a pressão em seu tórax que
ajuda a expelir qualquer líquido ou mecônio de seu pulmão, e a cesárea se mal
indicada, ao invés de ajudar, passa a ser mais um fator complicador para esse
recém-nascido.
Então se o bebê está bem, não precisa fazer cesárea?
O mecônio isoladamente, não é indicação de cesárea, mas é
um achado que deve ser considerado para analisar outras formas de avaliação do
bem estar fetal e pode, em determinadas circunstâncias, requerer abreviação do
nascimento. Por isso é importante ter uma equipe que pratique a Medicina Baseada em Evidências.
Se durante o trabalho de parto, o mecônio é fluido, o
bebê apresenta boa vitalidade, boa movimentação fetal, batimentos cardíacos
tranquilizadores, a mãe tem liberdade de se movimentar e se posicionar de forma
a contribuir com a oxigenação fetal, é possível que se continue (com
monitoramento) com o trabalho de parto. No parto normal, quando o bebê passa
pelo canal de parto, recebe a pressão
positiva exercida sobre o tórax e isso ajuda, inclusive, a liberar algum
resíduo de mecônio ou liquido amniótico que tenha sido aspirado.
Porém caso algum desses fatores saia de controle, a
equipe poderá optar por antecipar o nascimento por via vaginal (com ajuda de
fórceps de alívio ou vácuo extrator se o trabalho de parto estiver na fase do
expulsivo) ou por via cirúrgica, caso o trabalho de parto ainda esteja na 1a
fase (dilatação).